A Clarinha foi sequestrada. Essa informação é constatada quando Sylvia (Fabiula Nascimento), mãe da menina de seis anos, vai buscá-la na escola. A professora informa que a criança havia sido levada por uma mulher depois do término de sua aula. Confrontada sobre a liberação, a educadora alega ter recebido da própria Sylvia uma ligação informando que a vizinha buscaria a garota, fato refutado pela mãe.

Pouco tempo de depois, em uma delegacia da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o delegado ouve Bernardo (Milhem Cortaz). Ele é o pai da criança desaparecida e acusa sua amante Rosa (Leandra Leal) de ter cometido o sequestro para assustá-lo. Localizada, a mulher de 25 anos logo é levada para depor. Após ser reconhecida pela professora como a pessoa que levou a criança, ela admite ter sequestrado Clarinha, afirma que a garota está em segurança e decide contar tudo que ocorreu do momento em que conheceu Bernardo até aquele dia.

Baseado em alguns acontecimentos de um caso policial verdadeiro, ocorrido na década de 1960, Fernando Coimbra escreveu e dirigiu seu primeiro longa-metragem com domínio total da história que nos conta: primeiro ele nos puxa rapidamente para a busca por uma criança desaparecida. Em seguida nos situa no desenvolvimento da relação extraconjugal de Bernardo e Rosa, através de diálogos que soam muito genuínos, chegando a tranquilamente soltar-nos do suspense para o qual havia nos trazido, pois tinha a segurança de que nós espectadores não nos afastaríamos.

Ele ainda abre mão de uma trilha sonora venha de fora do universo do filme, confiando que o ritmo da história bastava para nos segurar. Nos diálogos, principalmente quando Rosa e Bernardo estão em cena, ao enquadrar os dois personagens que conversam, a fotografia evita que a edição fique cortando de um para o outro. Assim, nos tornamos observadores quietos que só escutam até mesmo ao silêncio, como se fossemos o delegado parado ouvindo a história que lhe é contada. O diretor também tinha outro bom motivo para confiar que nós não desgrudaríamos da trama: personagens interessantes interpretados por ótimos atores.

Na maior parte do tempo acompanhamos a Rosa, afinal é ela que está contando a história ao delegado. A Leandra Leal torna todas as vivências de sua personagem absolutamente naturais, fazendo Rosa alternar entre momentos de curiosidade, paixão, dissimulação e desespero. E tudo isso faz com que a percepção e os sentimentos do espectador sobre a personagem também variem. Milhem Cortaz interpreta um malandro do dia a dia, mas sem isso soar estereotipado. O Bernardo é daqueles caras que querem sempre estar em vantagem em suas relações, confiando que isso dará certo para sempre.

Já a Sylvia é retratada por Fabiula Nascimento que expressa bem o desespero da mãe no início do filme. Ao longo da história, a personagem dela é enganada de uma forma que seria muito fácil tamanha ingenuidade não parecer crível, mas a atriz consegue fazer isso parecer verdadeiro. O delegado, interpretado por Juliano Cazarré, é o único personagem cuja atuação, apesar não ser ruim, me parece fora do tom. Isso porque há uma entonação muito apegada ao estereótipo do policial carioca.

A decisão de exibir um Rio de Janeiro sem as belas paisagens, rodas de samba e cenas de caminhadas pela orla contribui na criação desse ambiente de vida real, em um filme cujo verdadeiro tema não é o sequestro. Também não é o relacionamento extraconjugal. Há um momento em que fica claro que o foco é o ser humano diante de fatos que quebram suas expectativas. Daí vemos como essas pessoas, cujas virtudes e defeitos já conhecíamos, lidam com isso e revelam ser diante dessas novidades desconfortáveis.

Ao construir uma história tendo fatos dos anos 60 como base, “O Lobo Atrás da Porta” brilha por fazer essa história parecer absolutamente plausível até mesmo para quem não sabe do ocorrido, uma vez que o filme não menciona ser baseado em fatos verdadeiros. Mais do que isso: para o mundo de hoje onde histórias como essa são contadas tranquilamente em programas policiais vespertinos, os acontecimentos parecem corriqueiros, mas nem por isso menos impressionantes.