O jornalista Lloyd Vogel (Matthew Rhys) vive com as cicatrizes emocionais de um trauma causado por seu pai, ainda em sua infância. Seu caráter moldado na percepção do certo e do imperdoável faz com que ele seja rigoroso em suas reportagens investigativas, sempre buscando extrair o pior de seus entrevistados, irritando todos eles e afastando futuros depoimentos. Pode piorar? Sim, pois o pai dele está de volta buscando reconciliação.

Eis que esse homem descrente na humanidade precisa entrevistar alguém que é a representação viva da cordialidade e da esperança em um futuro melhor: o consagrado apresentador infantil Fred Rogers (Tom Hanks). Popularmente conhecido como Mr. Rogers, ele é amado por várias gerações de crianças que cresceram com seus ensinamentos. Hábil em transmitir a leveza necessária aos assuntos mais espinhosos, como a morte ou o divórcio dos pais, ele definitivamente não é um entrevistado fácil para quem busca tirar dali alguma verdade escondida da audiência.

A história é baseada no encontro real do jornalista Tom Junod com Mr. Rogers para um artigo publicado em 1998 na revista Esquire. A matéria é a base do roteiro escrito por Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster. Esse é o terceiro filme de Marielle Heller que também dirigiu “Poderia Me Perdoar?” (2018) e “O Diário de uma Adolescente” (2015). Ela acerta ao dar ao filme um tom agridoce, englobando o jornalista ressentido e o universo lúdico do apresentador infantil.

Ao mesmo tempo em que acompanhamos Lloyd enquanto sua história é contada, temos as cidades de Pittsburgh e Nova York apresentadas através das encantadoras maquetes do programa de Rogers. O cenário está idêntico ao do programa de TV, inclusive na sábia decisão de reduzir a qualidade do vídeo para parecer uma gravação original retirada dos arquivos. Os movimentos de câmera também são acertados, especialmente ao nos aproximar do jornalista e do entrevistado quando as coisas esquentam e precisamos vê-los de perto.

Uma pergunta interessante a respeito desse filme é: quem é o verdadeiro protagonista? Tanto o trailer e principalmente o cartaz do filme dão a impressão de que essa é uma obra focada no Mr. Rogers. A primeira e a última cena também. Mas na realidade o foco está em Lloyd Vogel. É ele que tem sua vida tirada de equilíbrio no início do filme e enfrenta as provações sucessivas da história. A maneira como o filme foi promovido certamente levou mais gente ao cinema, mas assumiu o risco de ter um público insatisfeito.

“Um Lindo Dia na Vizinhança” foge da obviedade que seria uma biografia de toda a vida do Mr. Rogers, ou nos colocar presos exclusivamente numa entrevista do Lloyd. Em vez disso, nos mostra quem era o Mr. Rogers a partir do contato dele com um indivíduo traumatizado, nos inserindo dentro dos confusos sentimentos de Lloyd com a ajuda de coadjuvantes e exibindo seus devaneios.

A figura do Mr. Rogers causa a sensação estranha de um ultrapassado que deveria ser atual. Seu programa iniciado em 1962 já era um tanto antiquado para as crianças do final dos anos 90, mas sua mensagem é tão poderosa que faz um programa arcaico ser extremamente necessário nos dias de hoje. Em uma época onde autoaceitação e autoestima são temas comuns entre os jovens, isso pode ser um sintoma da falta de um Mr. Rogers na infância contemporânea.

Tom Hanks brilha novamente. Tendo representado várias pessoas reais nos últimos anos, ele aqui encarna o Mr. Rogers nos movimentos, coreografias, voz e olhar. Matthew Rhys também atua muito bem, transmitindo toda a carga emocional vivenciada por seu personagem. Destaque merecido também para Chris Cooper, interprete o pai de Lloyd Vogel, e especialmente para Susan Kelechi Watson que representa a esposa do repórter, ajudando a desenvolver esse personagem ao puxar nossa atenção para seu lado familiar.

Esse filme ressoará em sua mente por um tempo após ser assistido. Te toca desde o simples uso da palavra obrigado até se perdoar alguém cujo vacilo foi gigante é necessário. Aborda a raiva e o que devemos fazer com ela. E mostra como o comportamento de um homem nos faz refletir sobre nossa capacidade de sermos pessoas melhores.