Ainda é domingo, mas Lucille Ball (Nicole Kidman) já sabe que terá uma semana difícil. Ao mesmo tempo que uma revista diz que ela está sendo traída pelo marido, um radialista famoso afirma que a atriz possui ligações com o Partido Comunista, o que pode fazer sua sitcom ser cancelada. Além disso, ela em breve pode ser impedida de entrar no ar simplesmente por estar grávida.
Em “Being the Ricardos”, o diretor e roteirista Aaron Sorkin (Os 7 de Chicago) nos transporta para os bastidores do mais bem-sucedido programa da TV americana nos anos 50. Nas noites de segunda-feira, 60 milhões de pessoas ligavam na CBS e assistiam a um casal que era feliz diante das câmeras, mas cada vez mais distante fora delas.
A quantidade de conflitos simultâneos ajuda a manter a narrativa sempre prendendo a atenção do público. Mesmo quando uma questão possui um progresso, às vezes não surge aquele alívio temporário, pois imediatamente ela passa a lidar com outro assunto. Em diálogos envolventes, muitas vezes as questões se misturam e o mais importante deixa de ser o que é dito, mas aquilo que é sentido pelos personagens.
Apesar dos principais fatos da narrativa se passarem entre um domingo e a sexta-feira, a obra não se resume aos fatos dessa semana. Em flashbacks, acompanhamos momentos como o inicio da relação de Lucille e Desi Arnaz (Javier Bardem), além da criação da sitcom. Já algo que não cai bem, ao longo de todo o filme, são as inserções de depoimentos dos profissionais do programa já mais velhos, em uma tentativa de simular um documentário.
Colocar personagens falando aquilo que pode ser mostrado só enfraquece a narrativa. Se havia o intuito de passar ao público a percepção de que os fatos eram reais, uma oportunidade era inserir algumas cenas originais de “I Love Lucy” durante os créditos. Isso mostraria como o filme reconstitui bem a sitcom e ainda seria um belo tributo ao elenco do programa.
A obra sabe exaltar o talento da Lucille Ball, não apenas por sua interpretação da divertida Lucy Ricardo, mas por sua visão acurada do que uma cena precisa para funcionar. Ao mesmo tempo, também mostra o profundo desejo dela em ter uma relação na qual sua casa realmente fosse um lar. Nicole Kidman (As Horas) apresenta uma boa atuação principalmente por saber entender e apresentar esse espírito de sua personagem.
Ao viver o cubano Desi Arnaz, Javier Bardem (Onde os Fracos Não Têm Vez) vai além do sotaque ao encená-lo em apresentações musicais e com uma postura sempre otimista, ainda que o personagem esteja pressionado pela esposa e diante do possível fim do programa. Seja em momentos mais tensos ou em diálogos divertidos, o ótimo elenco — que inclui ainda o consagrado J.K. Simmons (Whiplash: Em Busca da Perfeição) — transmite bem as verdades de seus respectivos personagens.
O filme nos situa na época retratada não apenas pelas preocupações e costumes dos personagens, mas também por meio das músicas, cenários e objetos como os equipamentos do estúdio. A maquiagem e os penteados ajudam bastante na transformação de Nicole Kidman na Lucille. Além disso, a edição também contribui com a formação da percepção do público sobre a personagem, ao mostrar ela visualizando como iriam ficar as cenas ainda durante os ensaios.
Mesmo sendo talentosa e admirada por milhões, Lucille Ball teve a carreira prejudicada pela época em que viveu. No cinema, sua trajetória foi encurtada pela “idade”. Na TV, certamente poderia dirigir episódios do programa, mas jamais teria respaldo para isso. Na vida social, lhe perseguiram por uma opinião política que ela nem tinha. Dentro de casa, se via sozinha, pois o marido não via problema nisso. Ao mostrar quem ela era perante a essa realidade, “Being the Ricardos” é uma bela homenagem a uma grande artista.