Esse texto contém spoilers.

Em um quarto azul com nuvens pintadas na parede, Joanna Kramer (Meryl Streep) coloca seu filho Billy (Justin Henry) para dormir. Tudo ao redor está escuro, apenas a fraca luz do abajur ilumina o rosto abatido daquela mãe. Ciente de estar vendo seu garoto de seis anos pela última vez antes de afastar-se dele, ela busca não transparecer isso para o menino.

De pernas para cima, enquanto contava piadas ao chefe num escritório, Ted Kramer (Dustin Hoffman) não fazia ideia de que sua esposa se preparava para abandonar a criança e ele. Ao chegar no apartamento, demora a compreender o que está acontecendo, mesmo porque nunca buscou entender Joanna. Sozinho com o filho, agora tenta lidar com a nova realidade.

“Kramer vs. Kramer” é a adaptação cinematográfica de um livro escrito por Avery Corman e publicado em 1977. Roteirizado e dirigido por Robert Benton, o filme transpõe bem para a tela do cinema as emoções vivenciadas pelos personagens, tornando os sentimentos mais visíveis do que descritos. Lançado em 1979, o longa foi um sucesso de público e nas premiações. Além de receber o Oscar de Melhor Filme, ainda obteve quatro estatuetas nas categorias de direção, roteiro adaptado, ator para Dustin Hoffman e atriz coadjuvante para Meryl Streep.

Quando Billy acorda na manhã seguinte, pai e filho iniciam uma relação numa intensidade jamais vivenciada por eles. Ted tenta fazer o café da manhã buscando transparecer controle da situação, não só para o garoto, mas para si mesmo. Procura acreditar que a qualquer momento Joanna vai sair do elevador e voltar ao lar. Uma reação coerente com a conduta que conhecemos inicialmente.

O menino também possui um comportamento absolutamente congruente perante a realidade que se impôs a ele. Ao mesmo tempo que procura ser prestativo, ao ajudar a colocar a mesa e indicando os produtos certos no supermercado, ele também começa a testar os limites do pai, por exemplo, ao tentar tomar sorvete na hora do jantar.

Machucado pela situação, Billy diz tudo sem falar nada quando aumenta o volume da televisão, desiludido pelo início da carta onde a mãe deixava claro que sua ausência era definitiva. Aliás, não foi à toa que o pequeno Justin Henry foi a pessoa mais jovem até então a ser indicada ao Oscar. Ele de fato expressa a tristeza de uma criança vivendo um momento difícil.

Ao enfim entender que agora é um pai solteiro, Ted busca fazer seu melhor pelo filho. Ensina o garoto a aceitar pedidos de desculpas para outra a pessoa não se sentir mal, ainda que ele próprio, poucas cenas antes, não tenha feito isso quando o menino derramou suco na mesa. Foge de sua característica prévia ao sair do trabalho para cuidar do pequeno com febre. Mantém-se firme ao lado da criança quando, após um corte próximo ao olho, Billy precisa de dez pontos no rosto.

Joanna retorna e a briga pela guarda do filho em um excelente instante para história, pois àquela altura nós espectadores já havíamos sido suficientemente conscientizados a respeito da transformação do Ted. Então cabe a nós ponderar: o menino deve ficar com o pai que durante um ano e meio revirou sua vida para cuidar da criança? Ou deve permanecer com a mãe que o abandonou em virtude de um casamento que reduzia sua vida a maternidade, mas já se considera pronta para cuidar dele?

Apesar termos acompanhado de perto a evolução de Ted Kramer, percebe como ainda é difícil fazer essa escolha? Isso intensifica-se quando Joanna e ele depõem no tribunal. Se antes ela aparentava o abalo emocional da separação, mas retornou segura de sua capacidade de cuidar do filho, na audiência a brilhante Meryl Streep expressa a dor daquela mulher, cuja confiança é novamente enfraquecida a cada frase do advogado de Ted. A atriz expressa o quão dolorido esse momento é para aquela mãe, por ouvir e não conseguir rebater aquele estranho afirmar que ela é incapaz de cuidar do próprio filho.

Dustin Hoffman, que ao longo do filme já havia expressado insegurança, raiva, compaixão e medo, diante do juiz demonstra a autêntica devoção que aquele pai passou a ter pela criança. E por todo esse vínculo, cuja formação acompanhamos de perto, nós espectadores tendemos a voltar nossa torcida um pouco para o Ted, inclusive por estarmos cientes do quão traumática aquela separação pode ser. Mas quando o resultado saí, não dá para dizer que ele é surpreendente.

E mais uma ótima cena de pai e filho nos é apresentada, ao vermos o Ted contando ao menino que ele vai precisar ficar com a mãe. Justin Henry passa a emoção daquele garoto que não viverá mais com quem cuida dele, enquanto pergunta “onde vou dormir? Onde ficarão meus brinquedos? Você não me dará mais um beijo de boa noite?”. Nesse momento, Dustin Hoffman mostra como aquele pai agora sabe transmitir tranquilidade ao filho, por mais abatido que esteja por dentro.

Nessa e na maioria das outras cenas, o diretor opta por não utilizar músicas de fundo. Entende que o drama das situações se expressa por si e preza pelos momentos de silêncio. Na fotografia, a câmera prefere planos que mantém os dois interlocutores na tela, mas sem deixar de usar planos médios para valorizar gesticulações importantes, além de close-ups para transmitir de perto a emoção ou a reação de um personagem.

Em 1979, esse filme convida os homens a refletirem sobre como uma realidade machista é ruim não apenas para as mulheres. Aquele pai, convivendo intensamente com o Billy, entende o quanto perdeu nos anos em que não se preocupou com a criação do garoto. O fato das mães ganharem a custódia quase automaticamente torna-se surreal para ele, uma vez que, ao contrário da maioria dos demais homens daquela sociedade, Ted sabe que é capaz de suprir o filho de cuidado, afeto e atenção.

Por outro lado, ainda que os motivos de Joanna fiquem claros, o filme a vilaniza. Não por mostrar mais os fatos pelo lado de Ted, pois um roteirista tem todo direito de escolher por qual olhar quer contar sua história. O problema é que o desfecho coloca a mãe numa posição de alguém que se deu conta de que cometeria um erro, o que não é justo com a personagem, pois ela tinha razões para ter se ausentado e o direito de querer viver com o filho. Poderia ter sido mostrado um acordo entre os dois, no qual o Billy alternasse entre as residências deles.

Há ainda outra forma mais sutil de formar uma imagem ruim de Joanna: a escolha narrativa de nos apresentar a vizinha recém-divorciada Margaret (Jane Alexander), que cuida dos filhos e não consegue pensar na possibilidade de ficar com outro homem, pois acredita no “até que a morte os separe”. No final, ela ainda retoma a relação com o marido, servindo de parâmetro sobre como uma mulher separada supostamente deveria agir, no sentido oposto da esposa que abandonou o lar e se relacionou com outro homem.

Assistir a esse filme hoje em dia, especialmente após o lançamento de “História de um Casamento” (2019), é uma excelente forma de obter uma visão de como a sociedade mudou em algumas coisas e segue estática em outras. Porém, mais que sobre um divórcio, temos uma bela história de paternidade. “Kramer vs. Kramer” mostra como características aparentemente intrínsecas de alguém podem ser mudadas por amor a um filho.