Não é apenas na Inglaterra que os bruxos vivem de maneira oculta ao resto da sociedade. Eles também estão nos Estados Unidos, onde possuem suas próprias regras. Uma delas proíbe a posse de criaturas mágicas, que devem ser capturadas e exterminadas caso apareçam. Consciente de que esses seres, caso bem cuidados, não representam perigo real, Newt Scamander (Eddie Redmayne) protege de várias espécies. Ao chegar a Nova York, traz alguns bichos escondidos em sua maleta, mas parte deles escapa, o que coloca o jovem em apuros.
Lançado nos cinemas em 2016, “Animais Fantásticos e Onde Habitam” é parte do universo cinematográfico que começou com os oito filmes de Harry Potter. David Yates dirige seu quinto filme do Mundo Bruxo de J.K. Rowling, que por sua vez estreia como roteirista ao adaptar seu livro, de mesmo título, publicado em 2001. A obra se passa em 1926 e nos transporta para uma Nova York com as vestimentas, automóveis e edificações daquela época, adicionando um clima de preocupação devido as estranhas destruições que andam ocorrendo pela cidade.
É a partir desses acontecimentos que os problemas do filme começam. Ao mesmo tempo que se apresenta ao público como parte do universo de Harry Potter, chegando a mencionar Hogwarts e Dumbledore, essa obra demonstra uma busca por querer superar os lançamentos anteriores. O desenrolar dos fatos possui grande impacto sobre a cidade e até mesmo na vida política dos Estados Unidos, não restringindo-se a sociedade da magia, conforme ocorria anteriormente.
Essa pretensão aparece até mesmo em acontecimentos de menor magnitude, como quando duas personagens usam seus poderes para vestir-se e colocar a mesa, no que mais parece ser uma continuação de “Matilda” (1996). Há uma vontade evidente de querer impressionar o espectador, como quem quer dizer que esse filme também é legal.
E com o foco inicialmente nisso, a história fica de lado. Enquanto as cenas tentam te deslumbrar, o protagonista demonstra absoluta serenidade, mesmo tendo seus animais desaparecidos. Não por falha do ator, mas porque assim quis o roteiro. Então pergunto: se o personagem está tranquilo, por que o espectador se preocuparia?
Ao colocar-se como parte do universo apresentado nos filmes de Harry Potter, que foi tão presente na vida de uma geração, contendo regras, objetos e comportamentos próprios, aquilo que chega de novo precisa ser introduzido como uma novidade. Mas ao apresentar o ótimo conceito da maleta do Newt Scamander, trata-se aquilo que é extraordinário como algo rotineiro, como se nós já tivéssemos visto em algum dos filmes anteriores.
Ainda que não seja dito como aquela maleta foi criada, a história melhora muito a partir do momento em que ela é aberta. O protagonista nos mostra qual sua motivação para estar ali. Por mais que sua jornada não inclua aquilo de mais importante que está acontecendo, pois as destruições pela cidade ocorrem paralelamente a trama do protagonista, nós passamos a nos envolver com a história quando ele enfim vai tentar recuperar as criaturas perdidas.
Eddie Redmayne dá vida a um personagem tímido, solitário e cuidadoso com seus animais. A jornada de Newt é ao lado de outros três personagens. Dentre eles está a Tina (Katherine Waterston), que é uma desprestigiada investigadora do Congresso Mágico dos EUA. Ela nos apresenta sua irmã Queenie (Alison Sudol), uma adorável bruxa capaz de ler mentes.
O acaso faz os três precisarem conviver com Jacob Kowalski, um cidadão comum que ao tentar conseguir um empréstimo é acidentalmente imerso no mundo da magia. O divertido padeiro é muito bem interpretado por Dan Fogler. O ator acrescenta ao personagem um deslumbramento com aquilo que descobre, ao mesmo tempo que faz ele demonstrar certa incapacidade de lidar com os apuros quando eles surgem. O Jacob é uma das ideias mais bem executadas de todo o filme.
A trilha sonora às vezes dá uma aura adequada de mistério e magia, mas em outros instantes busca passar um peso que a história não possui. Acertadamente usa um trecho do tema principal de Harry Potter, sendo esse um dos instrumentos para nos localizar no universo do qual o filme faz parte.
Os figurinos são muito bem desenvolvidos, adequando-se não apenas a época, mas também a condição financeira e a personalidade dos personagens. Inclusive eles renderam o único Oscar do filme. Também houve uma acertada indicação para a estatueta de Design de Produção, pelos cenários, objetos, decoração e artes conceituais.
A atenção que foi prestada nessas áreas faltou na diversidade étnico-racial dos atores. Não apenas no elenco principal, mas até mesmo dentre os figurantes, seja numa aglomeração em frente ao banco ou em uma cena num bar secreto no bairro do Harlem, que na época tinha uma população de maioria negra.
Vários aspectos comprometem o interesse do espectador na narrativa. O antagonista é mal introduzido e possui motivações desconhecidas. O conflito do protagonista quase se restringe ao tratamento que a sociedade dá aos animais, sendo seu passado pouco explorado, assim como a relação com uma das personagens. A causa de interesse do Newt é apequenada no terceiro ato, que assim como em outros filmes recentes prefere destruições excessivas para salvar a cidade em detrimento da história. Há ainda um desfecho no qual o filme enrola para acabar.
Existe sim uma bela mensagem a respeito da beleza do desconhecido, que não deve ser exterminado, mas sim descoberto. Entretanto, o próprio filme explora mal a ideia que o motivou. Comercialmente é notório que “Animais Fantásticos e Onde Habitam” faz mais sucesso sendo vendido como parte do universo de Harry Potter. Artisticamente, o filme poderia ter se adequado melhor aquilo que o antecedeu ou assumir-se como um universo original, que possui uma receita nova para os mesmos ingredientes anteriores.