Dois anos após perder a esposa, Yûsuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima) se muda para a cidade japonesa de Hiroshima, onde é contratado para dirigir a peça teatral “Tio Vânia”, criada pelo dramaturgo russo Anton Tchekhov. Contra sua vontade, nas idas e vindas entre sua residência e os ensaios, ele passa a ter a jovem Misaki Watari (Tôko Miura) como motorista.
Indicado ao Oscar de Melhor Filme, além de Melhor Filme Internacional, Melhor Roteiro e Melhor Diretor, “Drive My Car” apresenta um protagonista introspectivo que busca seguir com sua vida normal, mas ainda está preso a sentimentos causados pela perda de Oto (Reika Kirishima), por quem ele era verdadeiramente apaixonado.
O filme dirigido por Ryûsuke Hamaguchi começa apresentando como era o vínculo entre Yûsuke e ela, uma roteirista que trabalhava em uma emissora de TV. Ao longo de todo primeiro ato, a narrativa estabelece o padrão de comportamento do personagem, por meio de descobertas inesperadas e também por um silêncio intrigante.
Quando ele parte para Hiroshima, as perguntas que inevitavelmente nos fazemos são: ‘para onde essa história vai?’ e ‘o que eu vi até aqui vai servir para quê?’. Basicamente, o roteiro pede ao espectador que guarde aquilo que já assistiu na memória e comece a ver uma nova história, na qual o protagonista segue afetado pelos acontecimentos anteriores.
Então a trama passa a se dividir entre duas situações: os bastidores da peça e as viagens de carro com Misaki. Mas logo tudo isso se mistura, pois o que acontece nos ensaios acaba levando Yûsuke a lugares inesperados, ao mesmo tempo que suas viagens de carro lhe impactam de uma forma que se reflete em seu trabalho.
Por mais que ele viva um personagem difícil de se afeiçoar, por ser alguém fechado, Hidetoshi Nishijima transmite bem a seriedade do protagonista, além de sua hesitação em voltar a atuar após a morte da esposa. No papel da motorista, Tôko Miura também vive uma pessoa reservada, mas vai além dessa característica e faz a Misaki expressar simplicidade e tenacidade.
Ainda que tenha cenas desnecessárias e apresente certa repetitividade, especialmente em relação aos ensaios, “Drive My Car” sabe pegar a rotina estabelecida e gerar pequenos progressos que nos mantém atentos a trama. Além disso, a obra sabe aguçar nossa curiosidade sobre o desfecho das relações de Yûsuke com personagens como o ator Kôshi Takatsuki (Masaki Okada), além da motorista Misaki, cujo passado também possui dias difíceis.
Para nós brasileiros, um povo naturalmente mais extrovertido e habituado a compartilhar as próprias dores, um longa-metragem como esse pode parecer estranho. Há sentimentos do protagonista que só descobrimos com mais de duas horas de filme. Porém, há um grande valor em ver a gradual construção do vínculo de duas pessoas que carregam traumas, mas lidam com isso de modo muito reservado, pois foram criadas em uma cultura onde um simples abraço é um gesto raro e restrito àqueles por quem já existe uma ligação forte.