Em sua jornada solitária e cheia de traumas, Max (Tom Hardy) é capturado pelos Garotos de Guerra, um grupo de guerreiros devotos à Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), o cruel líder da Cidadela. Enquanto quem busca aquele local procura o mínimo para sobreviver, o governante mantém sob seu domínio até mesmo o acesso à água.

Mas as coisas fogem de seu controle quando a Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) decide fugir com as jovens mantidas por ele como parideiras. Buscando recuperá-las, Immortan Joe comanda uma grande perseguição na Estrada da Fúria. Max acompanha a caçada pelas mulheres, só que preso na parte de fora do carro e com seu sangue sendo transferido para um dos jovens fanáticos.

A espera de quem gosta de Mad Max foi longa. Foram 29 anos e 10 meses entre o lançamento de “Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão” (1985) e “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015). Porém, o aguardo foi recompensado com o melhor dos quatro longas-metragens. Diretor e roteirista de uma franquia que se reinventa a cada filme, George Miller atualiza sua realidade distópica que já teve malucos motoqueiros, uma fortaleza produtora de petróleo e o povoado Bartertown com brigas decidas na Cúpula do Trovão.

Dessa vez, somos apresentados a uma forte mistura de grandiosidade e escassez. Aproveitando as possibilidades abertas por novas técnicas de captação e tratamento das imagens, a história expressa o poder de Immortan Joe através da estrutura da Cidadela e da frota pronta para perseguição, incluindo o guitarrista com um instrumento que solta fogo quando tocado. Ao mesmo tempo, há uma multidão vivendo à míngua, em um nível de miséria jamais visto nos filmes anteriores.

Por mais velozes que sejam os veículos na Estrada da Fúria, quem move os acontecimentos são os personagens e suas motivações. Mesmo não parecendo muito fortes, os Garotos de Guerra são numerosos e estão a postos, fiéis ao ponto de sacrificarem-se pelo tirano e convictos da ida ao paraíso prometido. As mulheres que fogem da opressão são guiadas pelo desejo de um futuro melhor, ao mesmo tempo que temem a possibilidade de recaptura. No volante, a Imperatriz Furiosa busca reencontrar o Lugar Verde onde passou parte da infância.

No meio do turbilhão de novidades, o nosso velho conhecido: Max Rockatansky, anteriormente vivido por Mel Gibson, agora possui o rosto de Tom Hardy. O personagem muda junto com a substituição do ator, pois se antes era confiante ao dirigir seu Interceptor e possuía o controle das situações, agora seu olhar expressa a tensão e o descontentamento de estar vulnerável.

Ao mesmo tempo que busca reagir, sua mente constantemente lhe relembra momentos traumáticos, sendo esse mais um acerto em relação aos filmes anteriores. A expressão do abalo com os acontecimentos do primeiro filme era restrita a escolha por viver uma vida solitária, desapegada dos demais para não estabelecer vínculos. Mostrar o estado emocional em que ele se encontra nos exibe um homem que, além de lutar contra a realidade ao seu redor, ainda vive em um permanente conflito interno.

Charlize Theron dá vida a uma personagem com uma jornada árdua, requerendo a capacidade de alternar entre cenas de ação e momentos de diálogo firme. Há variação emocional em instantes de tensão, satisfação, descontentamento, resignação e impetuosidade. E de modo muito competente, a atriz entrega à Furiosa tudo aquilo que ela pede.

Ao decidir inserir seus personagens numa jornada de perseguições em grande parte do tempo, o longa restringe um grande pedaço da história de seus heróis a busca instintiva por continuarem vivos, com o veículo funcionando e o mais distante possível dos algozes. Isso culmina em certa repetição, pois até mesmo aquilo que impressiona pode tornar-se cansativo se visto muitas vezes em um curto espaço de tempo. Entretanto, ainda que estejam a todo tempo na estrada, a história não é apenas a caçada de Immortan Joe pelas mulheres fugitivas.

Isso porque as relações entre os personagens geram ótimas subtramas para narrativa principal. A começar pelo convívio entre Max e Furiosa, que não se inicia de forma amigável. O guerreiro Nux, vivido por Nicholas Hoult, possui sua própria jornada em meio de tudo aquilo que acontecia. Dentre as mulheres, há quem pense na possibilidade de desistir, enquanto uma delas pode estar prestes a dar à luz. Sem contar com as peculiaridades da própria Estrada da Fúria, apresentando-se como novos desafios na história.

George Miller entrega ao espectador uma bem construída unidade entre os aspectos da obra cinematográfica. A trilha sonora contribui para tensão dos momentos de alta velocidade, fortalecidos também pela caprichada mixagem de som. As gravações de perseguições na Namíbia, que se faz passar pelo deserto australiano, buscaram filmar o máximo possível daquilo que vemos no filme, tornando tudo mais realista.

Ao optar por esse caminho menos prático que o uso de computação gráfica, nos é entregue uma obra que ao longo dos anos ficará muito pouco datada com o avanço da tecnologia. À manipulação digital das imagens foi reservado o ótimo manejo das cores, cujo intuito foi deixar a areia desértica mais forte e manter a noite com um belo tom azul-escuro.

A fotografia, que ficou a cargo de John Seale, não valoriza apenas os belos cenários, nem se reduz a incrível captação das perseguições, pois sabe como encaixar bem os personagens naquele contexto. Transparece as emoções expressadas pelos atores tanto em planos mais próximos, onde os olhos dos personagens se destacam, como em imagens mais afastadas, a exemplo de um belo instante no qual Furiosa se ajoelha no deserto. Por sua vez, a montagem engrandece esses momentos mais calmos, desacelerando o ágil ritmo dos cortes.

Se o que nossos olhos mais veem é o gênero de ação, vale lembrar que também há ali uma ficção cientifica, especialmente pela característica de extrapolar situações da nossa vida em forma de metáfora numa outra realidade. O Immortan Joe e tudo que o cerca são uma alegoria de líderes políticos recentes, que pouco se importam com quem vive na miséria, objetificam as mulheres e formam sua tropa de fanáticos.

Ainda que não seja absolutamente necessário ver os três filmes anteriores, isso acrescenta demais a experiência de ver o mais novo, pois cria parâmetros comparativos que valorizam “Mad Max: Estrada da Fúria”. Apesar de suas premiações no Oscar terem se restringido as categorias técnicas, o filme vem sendo recompensado pelo maior reconhecimento: manter-se relevante com o passar do tempo. É lembrado, cinco anos após seu lançamento, como um dos maiores filmes dos Anos 2010, pois é um feito cinematográfico que marca seu espectador.