O desembarque dos Aliados na França ainda é um sonho distante. Por enquanto, toda atenção está voltada para a invasão do sul da Itália. Winston Churchill está decidido a enviar soldados para a região, na intenção de enfraquecer as forças do Eixo. Porém, a tomada da Sicília pode culminar em uma expressiva perda de vidas, caso os inimigos estejam a postos para impedir a incursão.
Esse era o cenário no qual os britânicos se encontravam no começo de 1943. O risco da perda de dezenas de milhares de soldados ao chegarem na Itália assustava, mas o domínio de Hitler sobre a Europa precisava ser reduzido. Sem a alternativa de não agir, só restava um caminho para uma invasão segura: enganar os inimigos e movê-los para outro local.
A ideia era fazer os adversários acreditarem que as tropas aliadas na África invadiriam a Europa continental por meio da Grécia. Nesse intuito, comunicações de rádio enganosas, movimentações falsas de tropas e até a contratação de intérpretes gregos foram feitas para induzir os nazifascistas ao erro. Além dessas, uma ideia inusitada surgiu: colocar um cadáver vestido de oficial da marinha na costa da Espanha, para que os alemães interceptassem uma falsa carta trocada entre dois generais, na qual se discute a invasão à Grécia.
O caso já é de conhecimento público desde o fim da guerra e inclusive motivou o filme “O Homem que Nunca Existiu” (1956). Em 2010, os bastidores da artimanha foram detalhados pelo historiador Ben Macintyre no livro “Operation Mincemeat” (Operação Carne-Moída). A obra inspira “O Soldado Que Não Existiu”, novo longa-metragem dirigido por John Madden e com roteiro de Michelle Ashford. Ao longo da trama, acompanhamos o grupo liderado pelo oficial Ewen Montagu (Colin Firth) na preparação e na execução da ação de contrainformação.
Tendo essa grande história para apresentar, o filme possui algumas escolhas narrativas um tanto questionáveis. A primeira é começar com um teaser do final, no qual saberemos se a operação foi bem sucedida ou não. Uma vez que a trama abrange um período de seis meses, nos quais a continuidade de alguns membros no grupo fica ameaçada, a decisão de mostrar a prévia dos instantes finais já entrega quem permaneceu, o que enfraquece alguns momentos do enredo.
Outro ponto bastante frágil é o uso de uma narração, ainda mais por ela vir de um personagem que só está ali para ser um narrador. Pensamentos como “um homem morre, outro começa sua jornada e espera que sua história seja contada” poderiam ser bem utilizados em diálogos, mas ao serem apresentados na narração acabam atrapalhando trechos onde seria mais útil valorizar o silêncio ou a trilha sonora de Thomas Newman, no intuito de que o espectador fizesse sua própria reflexão.
A narrativa também possui acertos. Um deles é entender que não há tanto mistério em uma guerra que já foi ganha, razão pela qual as histórias individuais merecem ser valorizadas. Ao compreender isso, o roteiro apresenta o Ewen Montagu não somente como um oficial dedicado ao serviço, mas também como um homem que possui defeitos e toma decisões questionáveis. Ao interpretá-lo, Colin Firth mostra bem como por detrás da seriedade do militar há um homem afetuoso.
Ainda que apareça pouco, Simon Russell Beale não convence ao viver o Winston Churchill. Se não havia ninguém mais parecido a disposição, então as cenas com aparições do então primeiro-ministro deveriam apresentar o personagem com certa distância. Ajudado por um bom trabalho de maquiagem, quem consegue ser bastante convincente ao interpretar o falecido Glyndwr Michael é o ator Lorne MacFadyen, especialmente no cômico momento em que tentam tirar uma fotografia do morto.
A ambientação também é caprichada e consegue nos transportar bem para o período retratado. Por mais que a narrativa não seja apresentada brilhantemente, o fato é que a história que motivou o longa-metragem é muito boa, o que por si só faz com que esse não seja um filme esquecível. O nazismo também foi derrotado graças a pessoas que nunca pisaram nos campos de batalha, mas que merecem ser lembradas e exaltadas por sua coragem de fazer o que era preciso.