Ter uma das faces mais conhecidas do mundo certamente é uma honra, mas também um fardo. Além de não puder circular sozinha e precisar ter cautela antes de omitir qualquer opinião, a Rainha Elizabeth II (Olivia Colman) envelhece diante dos olhos do mundo. Mas a maturidade também lhe traz a segurança para lidar com as mudanças ao seu redor, em uma família cheia de problemas e com seu reino vivendo uma grave crise econômica.
Se ver sua nova foto estampada na libra esterlina incomodou a monarca, o rápido envelhecimento da personagem em “The Crown” também causa um inevitável estranhamento inicial aos espectadores, em virtude da troca de Clarie Foy por Olivia Colman. Uma mudança necessária, mas que poderia ter sido mais gradativa com a maquiagem fazendo uma atriz parecer mais velha e rejuvenescendo a outra.
Criador e roteirista da série sobre a monarquia britânica, Peter Morgan aumenta o espaço de outros membros da família real, em alguns momentos fazendo a rainha ser uma coadjuvante. Uma decisão natural, visto que apesar de ser a pessoa com o maior tempo como soberana do Reino Unido, Elizabeth II possui um comportamento distante de confusões, o que leva “The Crown” a procurar as histórias daqueles que a cercam.
Alguns exemplos são as dificuldades no casamento da Princesa Margaret (Helena Bonham Carter) e Antony Armstrong-Jones (Ben Daniels), o Príncipe Philip (Tobias Menzies) lidando com seu passado e diante de uma crise de meia-idade, além de fatos envolvendo o Príncipe Charles (Josh O’Connor), que demora para aparecer, mas logo ganha protagonismo.
Já Elizabeth II destaca-se quando os problemas do Reino Unido são focalizados, como em um episódio em que momentos de sua vida pessoal são alternados com uma tentativa de golpe. No terceiro capítulo, quando uma tragédia ocorre no País de Gales e acompanhamos postura da rainha diante dos fatos, temos um raro momento em que o conflito da protagonista não é com um familiar ou um primeiro-ministro, mas com ela mesma, ao não ter a reação esperada diante do acontecimento.
Olivia Colman é brilhante ao expressar uma protagonista que requer serenidade e dureza, a depender da circunstância. Pouco tempo depois de interpretar a insegura Rainha Anne no filme “A Favorita” (2018), ela expressa em diálogos memoráveis toda a seriedade com a qual sua personagem fala. Em uma discussão com o Príncipe Charles, a rainha chega a parecer cruel. Diante dos primeiros-ministros Harold Wilson (Jason Watkins) e Edward Heath (Michael Maloney), vemos uma soberana austera, enquanto em frente à irmã há uma demonstração de afetividade verdadeira.
O novo elenco é muito bom em nos fazer simpatizar com seus respectivos personagens. Tobias Menzies apresenta um Príncipe Philip que, além de mais leal a rainha, mostra um lado mais humano. Josh O’Connor, ao interpretar o até hoje controverso Príncipe Charles, exibe um rapaz calmo, solitário e idealista, elevando a expectativa para a próxima temporada com a presença da Princesa Diana.
Helena Bonham Carter faz a Princesa Margaret roubar a cena em vários momentos, assim como a irmã da rainha fazia na vida real. Deste modo, ela mantém a personagem no mesmo clima de descompromisso misturado com ressentimento que a atriz Vanessa Kirby deixou como legado. Quem também chama atenção é Erin Doherty no papel da Princesa Anne, uma jovem “durona” e hábil em resolver situações inconvenientes para a realeza.
A montagem da série contribui com a história, por exemplo, quando a Princesa Margareth é recepcionada pelo presidente dos Estados Unidos na Casa Branca. Ao invés de apenas nos mostrar o comportamento dela, nós assistimos aos acontecimentos quando eles são relatados à rainha, o que também nos proporciona ver o constrangimento do primeiro-ministro ao falar e as reações de Elizabeth II ao ouvir.
Por sua vez, a fotografia valoriza o incrível trabalho da cenografia, nos fazendo acompanhar os personagens pelo Palácio de Buckingham. O local torna-se ainda mais interessante quando é iluminado a luz de velas em um trecho onde a Inglaterra sofre com apagões. Percebe-se ainda um grande cuidado em relação aos figurinos, incluindo as peças militares, e aos penteados idênticos aos que os personagens usavam na época.
De modo geral, os historiadores aprovaram as reconstituições históricas feitas pela série, apontando apenas que certos acontecimentos ocorridos a portas fechadas são licenças dramáticas da série para demonstrar algo, como por exemplo, o afeto da rainha por Winston Churchill (John Lithgow) ao beijar a testa dele em seu leito de morte. Mas algo que a série faz parecer muito legítimo e na verdade não ocorreu é uma entrevista da mãe do Príncipe Phillip, onde ela é apontada como “A Santa Real”.
A terceira temporada reforça como a família real vive na corda bamba da opinião pública, mas de um jeito ou de outro sempre consegue apagar seus incêndios. Apresenta a Rainha Elizabeth II não mais como alguém que está fazendo um sacrifício pessoal, mas que incorporou os conceitos necessários a sobrevivência da monarquia em sua própria personalidade.
Há uma busca por enxergar os personagens além das aparências, ao procurar as imperfeições deles e colocá-las diante de situações que puxam a realeza para o mundo real, onde títulos de nobreza não solucionam conflitos. Ao fazer isso, “The Crown” apresenta o que tem de melhor: entra na intimidade e faz de cada cena uma ótima especulação daquilo que deve ter ocorrido de fato.