Rainha recebe a primeira-ministra para discutir rumos do Reino Unido. Essa frase nunca estampou a manchete de um jornal antes de 4 de maio de 1979, quando Margaret Thatcher (Gillian Anderson) tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo máximo do governo britânico. Entretanto, durante os onze anos de liderança da Dama de Ferro, Elizabeth II (Olivia Colman) e ela não foram as únicas mulheres em destaque. A partir de fevereiro de 1981, os olhos do mundo também passaram a olhar para Diana Frances Spencer (Emma Corrin).
Desde quando a série “The Crown” foi anunciada, a temporada onde as três estariam em cena foi aguardada com grande expectativa, afinal elas deixaram o Reino Unido em grande evidência na época. O governo Thatcher foi marcado pelo rigor na política econômica que aumentou as taxas de desemprego, além de vitória na Guerra das Malvinas. Por sua vez, a jovem Diana protagonizou aquele que ficou conhecido como o casamento do século, cujo desfecho todos conhecemos.
A temporada tem o mérito de pegar uma série de informações sobre a família real, que vamos descobrindo e esquecendo ao longo da vida, e apresentá-las de uma maneira que faz as peças que pareciam avulsas unirem-se em um quebra-cabeça, nos mostrando uma imagem maior na qual cada pequeno fato ganha um contexto apropriado ao seu redor. Um exemplo é a vez em que um homem invadiu o quarto da monarca. A motivação dele era justamente o descontentamento com a gestão da primeira-ministra.
Por outro lado, a temporada frustra em alguns aspectos. O terceiro episódio termina com Diana pronta para o casamento que foi assistido ao vivo por um bilhão de pessoas ao redor do planeta. E o quarto capítulo inicia-se com o desaparecimento do filho da Margaret Thatcher! Ou seja, não mostraram nada da cerimônia, apenas o ensaio.
Outro assunto deixado de lado é o IRA, grupo extremista irlandês que comete um grave ataque terrorista ainda no primeiro episódio, onde a primeira-ministra promete travar uma guerra sem piedade contra eles. Nos capítulos seguintes, o assunto é esquecido. Sequer é mencionado o atentado no Grand Brighton Hotel, em 1984, onde uma bomba-relógio foi plantada e quase mata Thatcher.
Em sua segunda temporada interpretando a Elizabeth II, Olivia Colman cada vez mais parece ser a rainha ao reagir com muita autenticidade e apresentar postura, voz e aparência condizentes com aquilo que conhecemos da soberana. Gillian Anderson também alcança uma grande interpretação no papel de Margareth Thatcher, ao apresentar a altivez e eloquência da primeira-ministra.
Infelizmente não é possível dizer o mesmo de Emma Corrin. Nem tanto por culpa dela, pois a atriz foi claramente escolhida por parecer-se com aquela Diana que conheceu Charles ainda muito nova. Mas em nada ela se parece com a princesa do final da temporada, que já tinha dois filhos e vivia problemas conjugais há vários anos.
Quando se vê qualquer material de arquivo de Diana é notório que ela dizia muito com o olhar, seja para demonstrar contentamento ou insatisfação. Emma infelizmente faz pouco uso desse recurso. A escolha dela poderia ter se restringido aos primeiros episódios, já inserindo a atriz Elizabeth Debicki — que interpretará Diana na próxima temporada — logo após o nascimento Príncipe William.
Atuação a parte, acompanhar o início da vida pública de Diana traz a mesma sensação dos primeiros minutos de um filme de terror, quando o vilão ainda não fez nada, mas você sabe que algo sério está para acontecer. E quando as discussões com Charles se iniciam e começam a apresentar consequências, os fatos tornam-se angustiantes, pois sabemos que aquele sofrimento ocorreu de verdade na vida de uma pessoa.
A temporada é bastante marcada degradação moral do Príncipe Charles, vivido novamente por Josh O’Connor. Se antes ele era percebido como um jovem solitário e injustiçado, agora passa a ser visto como um egoísta que não fez o mínimo esforço para fazer o casamento dar certo. Nesse contexto, o ator é brilhante ao fazer essa transição de comportamento, pois do ponto de vista do personagem ele ainda era um injustiçado.
Dois aspectos técnicos merecem ser enaltecidos. O primeiro é a fotografia, que preza por planos abertos, silhuetas e simetria, além de contribuir muito com a história ao acertar os momentos de manter-se distante dos personagens. Os penteados também se destacam, pois contribuíram muito no intuito de deixar as três atrizes parecidas ao máximo com suas personagens.
“The Crown” mostra que mesmo quando tudo parece bem diante da opinião pública, a monarquia ainda esconde situações absurdas para manter-se admirada. Desse modo, após quatro temporadas, já é possível cravar: a série questiona a posição ocupada pela realeza, ao pôr em destaque a necessidade de eles manterem uma aparente infalibilidade que na realidade inexiste em qualquer família.