Foi com grande expectativa que Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf) aguardavam o nascimento da filha. Ela se sentava e observava o quartinho pronto. Ele dizia aos colegas que veria a menina atravessar a ponte construída por eles. Mas quando chegou o desejado momento, o parto domiciliar apresentou sérias complicações. Infelizmente, a espera acabou na forma de um grande vazio e a vida do casal tomou um rumo inesperado.

Diante dessa premissa e do título “Pieces of a Woman”, que em tradução literal significa Pedaços de Mulher, se espera ver uma jovem em dias de tristeza profunda, numa jornada para se reerguer e recomeçar a vida. Mas a roteirista Kata Wéber e o diretor Kornél Mundruczó, ambos da Hungria, nos surpreendem e apresentam uma trama na qual a Martha parece ser a pessoa mais inteira.

Talvez um título mais alinhado com a história fosse “Pieces of a Family”, porque é isso que realmente encontramos. De um lado, a protagonista se depara com um parceiro que deixa de ser um bom companheiro. Do outro, sua mãe incentiva uma judicialização do ocorrido no intuito de culpar a parteira pela tragédia.

O ator Shia LaBeouf transmite bem a negativa transformação pela qual o Sean passa, nos fazendo sentir a dor do rapaz que vive preso a um estado de negação, o que é conflitante com o pragmatismo da companheira. Depois, quando o homem passa da recusa dos fatos para a raiva, se perdendo em suas atitudes, o olhar do ator mantém vivo um pouco do Sean do início.

Intérprete da protagonista, a Vanessa Kirby é brilhante e entrega uma atuação que sempre será lembrada como uma das maiores de sua carreira. Sua performance precisa ser dividida em dois momentos para ser bem analisada: primeiramente, os 24 minutos do plano-sequência onde acompanhamos várias etapas do parto. Ali, a atriz apresenta uma grande autenticidade enquanto sua personagem vivencia a dor das contrações, momentos de enjoo, dificuldade de locomoção e a própria tensão do momento.

Posteriormente, acompanhamos como o ocorrido fragilizou a Martha, ainda que sua postura perante a vida seja a de alguém que já está firme e seguindo em frente. Sem que a atriz precise dizer nada, fica claro como os pensamentos da protagonista estão naquele futuro que não aconteceu, especialmente quando ela vê crianças na rua. Quem também brilha é Ellen Burstyn no papel de Elizabeth, mãe da Martha, uma senhora durona que vê o ocorrido como um fracasso pessoal.

Como não poderia deixar de ser diante dessa história, a experiência de ver “Pieces of a Woman” em muitos momentos é dura. Os minutos que antecedem o nascimento, onde já sabemos que haverá um desfecho terrível, são carregados de uma antecipação bem ruim de se sentir. Entretanto, esse primeiro momento é crucial e de fato precisava ter aquela duração, pois ali se estabelece um parâmetro sobre como era a relação do casal e se vê em detalhes os momentos que posteriormente serão judicializados.

A fotografia é extraordinária nesse plano-sequência. Gravando a cena com a câmera na mão e em um ambiente apertado, ela vai onde os nossos olhos querem estar, mas sabendo ser sutil e não chamar a atenção para si. A bem ensaiada movimentação dos atores também contribui para que tudo funcione bem. Soma-se a isso o incrível trabalho feito na prótese de barriga colocada na Vanessa Kirby, pois ela realmente parecia estar grávida.

Mais tarde, em uma reunião familiar, há um novo plano-sequência, mas dessa vez acompanhado de uma discussão. Sob o comando de Benjamin Loeb, a fotografia torna o momento tão envolvente que quando os cortes retornam você sequer repara. As cenas prezam por planos fechados, especialmente em momentos de conflito, enfatizando a verdade expressa por cada personagem.

Ao longo do filme, a trilha sonora aparece principalmente quando a Martha caminha sozinha na rua ou olha para fora pela janela do carro. Sob composição de Howard Shore, autor de temas para obras como “Os Infiltrados” e a trilogia “O Senhor dos Anéis”, as músicas orquestradas valorizam o som do piano e trazem tanto o peso do momento vivenciado pela protagonista, quanto um tom de vida seguindo em frente.

A ambientação também é caprichada. Uma vez que a perda da bebê ocorre na segunda quinzena de setembro, os meses seguintes mostram a chegada do inverno na fria Boston, o que condiz com o esfriamento das relações familiares. No ambiente interno, a bagunça na cozinha também é um termômetro de como a vida naquela casa desandou. Útil para montagem demonstrar a passagem do tempo, a construção da ponte também ganha um papel importante na narrativa.

“Pieces of a Woman” mostra como a vivência do luto pode ser ainda mais difícil quando as pessoas ao redor não procuram ouvir, mas ditar aquilo que o enlutado deve fazer. Nesse contexto, sentimos junto com a personagem a sua perda e falta de alguém que verdadeiramente lhe dê a mão. A Martha tem o rosto da Vanessa Kirby, mas o coração de tantas mulheres que viveram essa dor.