Esse texto contém spoilers. 

Sete títulos mundiais, 91 vitórias, 155 pódios, 68 poles positions e 306 largadas. Até mesmo aqueles que o consideram um piloto controverso admitem: Schumacher é um dos grandes nomes da História da Fórmula 1. Atualmente recluso e debilitado após um grave acidente em 2013, Michael jamais foi esquecido pelos milhões de fãs da modalidade, mas já há uma geração crescendo sem tê-lo visto nas pistas.

Lançado mundialmente pela Netflix, o documentário “Schumacher” cumpre diversas funções. Mata a saudade dos fãs do heptacampeão, o apresenta para os mais novos e honra a trajetória do esportista que marcou época. Dirigido por Hans-Bruno Kammertöns, Vanessa Nöcker e Michael Wech, o filme não apenas foi autorizado pela família do piloto, como também teve a participação do pai, da esposa e dos filhos dele.

Antes de iniciar uma boa alternância das imagens de arquivo com depoimentos recentes, o longa-metragem começa muito bem ao exibir uma volta on-board do ‘Schumi’ pelo circuito de Mônaco. Enquanto acompanhamos a cena, se escuta uma gravação do Michael descrevendo sua relação com o carro.

Os acertos da montagem não param aí. Quando a trajetória dele começa a ser contada, já passa ser apresentada a partir de sua chegada na equipe Jordan em 1991. Ao mostrá-lo sorridente após vencer seu primeiro Grande Prêmio, a edição sagazmente corta para uma foto do menino que começou a se apaixonar pela velocidade aos quatro anos.

Quando exibe essa fase da vida de Schumacher, o documentário começa a introduzir aspectos que marcariam toda carreira dele, como sua obstinação, competitividade e vontade de encarar desafios. Ao retornar às cenas da carreira na Fórmula 1, a narrativa apresenta o primeiro grande obstáculo em seu caminho: enfrentar nomes como Nigel Mansell, Alain Prost e principalmente Ayrton Senna.

A relação difícil com o brasileiro é contada sob a perspectiva de quem o tinha como ídolo até tê-lo como adversário. Seja através da batida dos dois em 1992 ou pela concorrência nas pistas, se explicita como ali havia um principio de rivalidade que infelizmente foi interrompido drasticamente. Acima disso, o respeito de Schumacher pelo Senna fica notório, tanto através de um antigo relato do alemão sobre sua reação à morte de Ayrton, como pela emocionada resposta ao saber que havia igualado um recorde do saudoso rival.

Após exibir os dois primeiros títulos de Michael, conquistados pela equipe Benetton, o documentário se volta para aquele que provavelmente foi o período mais difícil dele na F1. Movido por desafios desde quando gostava de vencer com o pior kart da corrida, Schumacher vai para Ferrari, sendo que a equipe já não vencia um campeonato de pilotos há dezesseis anos.

Nesse instante, entendemos o que o diferenciava dos demais. Do mecânico ao chefe, todos ressaltam o empenho dele para voltar a tornar aquela uma escuderia vencedora. Dedicado, ele não se concentrava apenas na direção, mas também nas relações humanas da equipe italiana. Idolatrado pela torcida, não se sentia no direito de decepcioná-los, o que lhe levou a errar. Inseguro, se questionava a cada inicio de temporada se ainda sabia ser um bom piloto. Incansável, alcançou o título após cinco anos de Ferrari. E como um vencedor apaixonado, ainda pelo rádio do carro, lembrou-se da esposa que sempre o apoiou.

A partir de então, o documentário toma um caminho questionável. Os quatro títulos mundiais seguintes, vencidos por um Schumacher que já não devia mais nada a ninguém, apenas são mencionados rapidamente. Algumas disputas interessantes contra Fernando Alonso, a oportunidade de correr com o irmão, a vitória no dia do falecimento da mãe e a controversa relação com Rubens Barrichello não são exibidas.

Depois de mostrar brevemente seu retorno à Fórmula 1, o documentário aborda o acidente sofrido nos Alpes franceses. Sem entrar em detalhes sobre o ocorrido e o real estado de saúde dele, os entrevistados falam com pesar sobre a ausência sentida na rotina da família. Nesse sentido, o relato do filho Mick Schumacher é ainda mais triste. Piloto da F1 em sua primeira temporada, ele conta que nessa fase de sua vida teria muito sobre o que conversar com o pai.

Assim como não começou pela infância, entendo que a obra não deveria concluir-se ao abordar os anos mais recentes. Ainda que as imagens de dias felizes voltem nos créditos, o filme termina em um tom pesado. Teria sido mais justo com a trajetória de vida do Michael que a narrativa retornasse aos depoimentos sobre a carreira, no intuito de que aqueles que caminharam ao seu lado falassem sobre a lembrança que guardam do amigo heptacampeão.

Por fim, “Schumacher” é um filme que será lembrado por mostrar o lado humano de alguém que foi uma máquina de vitórias. Ao apresentar detalhes de sua jornada, a obra dá sentido a devoção que a equipe Ferrari e seus torcedores tem por ele. Tendo em mente que hoje Michael vive uma situação difícil, relembrar esses momentos traz reflexões sobre como a vida pode ser dura até com quem fez a alegria de milhões.