Este texto é a continuação da análise iniciada na crítica de “O Menino que Matou Meus Pais”.

Nesse filme, a narrativa se desenrola a partir dos relatos de Daniel no julgamento. Quase sempre estamos assistindo aos mesmos fatos mostrados no outro longa-metragem, mas agora na perspectiva dele. E assim, se explicita como as defesas de Suzane e do namorado buscaram atribuir um ao outro a condição de mente por trás do crime. Ao contrário da outra obra, aqui o jovem é apresentado como um rapaz gentil, sem qualquer pretensão de aproveitar-se do dinheiro da namorada.

Ao interpretá-lo nessa versão, o ator Leonardo Bittencourt imprime quase sempre uma postura compreensiva, preocupada e cuidadosa. O problema é que perto do final do filme, quando a Suzane consegue convencer Daniel a cometer os assassinatos, a mudança de postura parece muito brusca, pois o roteiro faz um rapaz que estava choramingando pelos cantos ganhar um repentino olhar de raiva.

Por sua vez, Carla Diaz agora vive uma jovem irritada e desaforada. O olhar da atriz segue sendo um dos pontos fortes de sua atuação, mas dessa vez de uma forma diferente, pois ela parece vislumbrar não o que está diante dos seus olhos, mas os pensamentos sanguinários de Suzane. Em um dos raros acertos desses dois filmes, a narrativa sabe ir escalando a raiva da personagem pelos pais, além de apresentar a motivação para esse ódio.

Outro personagem que possui uma mudança significativa é o Manfred (Leonardo Medeiros). Antes visto meramente como um homem sério e abastado, ele agora é apresentado como um sujeito grosseiro, especialmente quando está embriagado. Por sua vez, em um detalhe que pode ter passado despercebido por muitos, o pai de Daniel agora bebe suco no almoço, no intuito de demonstrar que a família Cravinhos era totalmente sóbria.

Mas a verdade é que nenhuma dessas versões mudam um fato: Manfred e Marísia von Richthofen foram assassinados na noite de 31 de outubro de 2002. Nessa história, não importa quem ofereceu a maconha, quem pagava as contas no restaurante ou se a vítima também se relacionava com uma amiga.

A trama precisou de dois filmes para apresentar histórias que não são verdadeiras, pois a realidade é uma sobreposição de alguns aspectos reais das duas narrativas, além daquilo que foi apresentado pela promotoria. O que assistimos nas duas horas e cinquenta minutos dessas obras é fruto de tentativas desesperadas das defesas de reduzir a pena de seus clientes. Sabiamente, o júri não se enganou com nenhuma dessas versões.

Por fim, caro leitor, outro aspecto relativo a esses filmes que me incomodam bastante são as palavras “menino” e “menina”. No Brasil, há uma cultura de amenizar crimes cometidos por jovens brancos e de origem abastada, sempre com uma retórica de que suas atitudes decorriam de mera imaturidade. O uso dessas palavras nos títulos ajuda a reforçar essa prática.