É proibido agir em desacordo com as regras do partido. Qualquer ato, texto, opinião ou piada em contrariedade aos ideais do Estado podem lhe tornar merecedor de ser vigiado pela Stasi, a Polícia Secreta da Alemanha Oriental. O metódico e experiente investigador Hauptmann Gerd Wiesler (Ulrich Mühe) é capaz de lhe interrogar por horas, gravar todo depoimento e exibir aos seus alunos, no intuito de ensinar-lhes a obter confissões. Encarregado de espionar um casal formado por uma atriz e um escritor, ele tem sua conduta posta à prova ao escutar a vida deles.
O diretor Florian Henckel von Donnersmarck idealizou a história a partir da seguinte cena: um espião da Stasi, enquanto monitora a rotina dos investigados, escuta uma música e fica tocado por ela de alguma forma. Baseado nessa ideia, escreveu um roteiro onde todos os elementos se encaixam muito bem. Cada personagem é uma peça capaz de mudar os rumos da trama, ainda que o espectador envolvido na narrativa não perceba isso. Mesmo aqueles que só aparecem em uma cena, como um estudante e uma prostituta, acrescentam ao ajudarem a mostrar o pensamento e o contexto da vida do protagonista.
Quando alguns personagens saem de suas zonas de conforto e assumem riscos, as mudanças de atitude deles não parecem forçadas para mover a história. Elas são naturais, uma vez que foram bem construídas. A história te prende sem apelar para agitação, pois sempre lhe deixa na expectativa pelo que vem a seguir. E cenas que por si só já são muito boas tornam-se ainda mais fortes depois, porque ganham novos significados em momentos posteriores.
O elenco fortalece os personagens. Ao interpretar o espião, que passa grande parte do seu tempo apenas ouvindo, Ulrich Mühe diz muito com o olhar. Seja escutando aquilo que acontece no apartamento ou nos interrogatórios e reuniões em que se está presente, Wiesler expressa seu poder, insegurança, satisfações, preocupações e desgostos sem precisar abrir a boca.
Para interpretar o escritor Georg Dreyman, Sebastian Koch decidiu praticar quatro horas diárias de piano, no intuito de tocar a “Appassionata” de Beethoven na cena que motivou a criação do filme. Ele entrega uma atuação sem excessos, sendo sóbrio como o personagem requeria. Martina Gedeck, no papel de uma atriz chamada Christa-Maria Sieland, expressa a força de uma mulher buscando manter-se firme enquanto enfrenta uma depressão, cuja causa é ser vítima recorrente de uma situação extremamente desagradável, sob a ameaça de nunca mais puder atuar.
Vale pontuar que toda a qualidade do roteiro e a força das atuações poderiam ter sido desperdiçadas sem uma boa montagem. Os fatos na residência exigem que vejamos rapidamente as reações do espião. Ao atender a essa necessidade, a editora Patricia Rommel faz cortes com muita naturalidade, acertando tanto nas vezes em que queremos ver o proceder de Wiesler, quanto nos momentos de retornar para o apartamento.
A fotografia também contribui para que as mudanças de ambientes sejam naturais. Na cena do escritor tocando piano, por exemplo, acompanhamos a câmera mover-se suavemente e no mesmo sentido pelos dois ambientes. E como o som da música permanece, tudo combina para que as alternâncias de cenários aconteçam com fluidez.
Quando chega ao fim, “A Vida dos Outros” entrega um desfecho coerente com tudo que o antecede. Durante um instante, a obra causa certo estranhamento, pois não acaba quando já parecia estar terminando, mas logo te surpreende e entrega mais do que o esperado.
Lançado 16 anos após a queda do muro de Berlim, o filme toca em um passado opressor que ainda é muito vivo na memória alemã. Estima-se que um a cada 63 habitantes da Alemanha Oriental trabalhava para Stasi. Segundo a revista Spiegel, cerca de 5,6 milhões de pessoas tiveram informações suas inclusas nos arquivos da polícia secreta.
A magnitude do serviço de espionagem não deixa de ser mencionada, mas o filme corretamente não volta sua atenção para isso. Acerta ao focar-se na vida de poucas pessoas e no impacto que tudo isso teve na história delas. Ao fazer assim, toca muito mais profundamente tanto aqueles que vivenciaram os fatos na época, como as novas gerações e nós estrangeiros, que através desses personagens podemos compreender muito sobre aquele período sombrio da Alemanha.