Walter Mitty (Ben Stiller) não se lembra de ter visitado nenhum lugar incrível, nem se recorda de ter feito nada de extraordinário em sua vida. E ao contrário do que possa parecer, o problema dele não é amnésia, mas a falta de experiências marcantes. Muitas vezes entediado por sua própria rotina, ele vive momentos de agitação quando está parado, ao ter seus recorrentes devaneios.
Quando o conhecemos, logo se nota que a maioria desses instantes de distração envolvem Cheryl Melhoff (Kristen Wiig), uma recém-chegada colega de trabalho por quem ele está apaixonado. Responsável pelo setor que revela as fotografias da Life, publicação que está deixando de circular em sua versão impressa, Walter descobre que a foto de capa da última edição está perdida e que precisa encontrá-la. Sua procura lhe leva a caminhos conhecidos por ele apenas através das páginas da revista.
Além de interpretar o protagonista da história, Ben Stiller também é o diretor do filme, dupla responsabilidade que ele já havia assumido em “Caindo na Real” (1994), “Zoolander” (2001) e “Trovão Tropical” (2008). O roteiro de Steve Conrad resgata o personagem surgido num conto de 1939, escrito por James Thurber, e que já havia aparecido no cinema no filme “O Homem de 8 Vidas” (1947).
O hábito de ficar sonhando acordado não é apenas uma característica do Walter, mas também um recurso utilizado pelo filme com algumas funções. A mais óbvia é nos mostrar os pensamentos dele, mas isso também serve para trazer um pouco de agito a um início que poderia ficar muito lento, além de ajudar a mostrar a evolução do personagem baseado na frequência de distrações. Gosto do fato de que há momentos onde fica difícil saber se algo trata-se de um devaneio ou da realidade, entretanto, em certos instantes essa particularidade parece exagerada e quebra o clima da narrativa.
Um elemento trazido para o filme é a música “Space Oddity”, escrita e gravada por David Bowie. Curiosamente, ela aparece pela primeira vez através do inconveniente Ted Hendricks (Adam Scott), gerente responsável pela transição da revista impressa para versão online. A canção tem uma função importante para a história mover-se a diante, mas a escutamos muito cedo e nada do que a trilha sonora apresentou depois é tão impactante. Sem outra carta tão boa na manga, poderiam ter deixado algo marcante assim para mais perto do desfecho.
Ben Stiller transmite autenticidade ao interpretar um personagem introspectivo conhecendo novos ares, combinando o olhar curioso de quem está vivendo intensamente e um medo genuíno quando as coisas ficam perigosas. Adam Scott, no papel do gerente encarregado pela transição, desenvolve um personagem que, apesar de caricato, é irritantemente divertido.
Kristen Wiig, por sua vez, tem uma atuação apática. Sua personagem não demonstra o interesse que deveria ao ouvir o Walter, principalmente quando eles se reencontram após um longo período. Isso ocorre especialmente em uma cena onde eles vêm algo incrível, muito significativo para Mitty e que a personagem precisava ter a curiosidade de olhar rapidamente para ver a reação dele, mas a atriz demora muito a fazer isso.
Há alguns exageros que, em certos momentos, deixam a história pouco crível. Ainda que motivado pela intenção de conquistar a Cheryl, certas decisões intempestivas do Walter não condizem com a pessoa racional que conhecemos no início. Por mais que a vida o tenha empurrado para uma aventura, sua mudança parece rápida demais. Também vemos o celular dele tocar em lugares onde simplesmente não haveria sinal disponível. Isso pode até ter tido uma intenção cômica, mas a situação é mais inconcebível do que engraçada.
Por outro lado, o roteiro é muito cuidadoso ao construir seu desfecho. A maneira como as coisas se sucedem poderiam parecer uma grande conveniência, mas isso não acontece. No início, ao nos apresentar a história de vida do personagem e de sua família, o filme nos mostra elementos que aparentam não serem significativos, nem terem correlação. Mas na segunda metade da história, as peças vão calmamente sendo colocadas uma ao lado na outra, entregando uma conclusão muito satisfatória.
Destacando-se também por nos levar a visuais fabulosos, “A Vida Secreta de Walter Mitty” é uma obra marcada pela palavra mudança, presente na vida dos personagens e da revista Life. E ao convidar seu espectador para pensar sobre sua vida, ter a coragem de transformá-la e talvez viver uma aventura, também há um grande acerto: o filme reconhece e valoriza quem dedica seu talento e empenho para fazer um trabalho bem feito, independente da rotina de atividades ser viajando por lugares espetaculares ou num escritório esquecido revelando fotografias.