A ida a um restaurante deveria ser apenas um momento de descanso para dois irmãos e os cowboys com quem trabalham. Só que após Phil (Benedict Cumberbatch) hostilizar um jovem garçom, George (Jesse Plemons) acabou se apaixonando pela mãe do rapaz. Por sua vez, a viúva gostou da ideia de ter um parceiro novamente e aceitou casar-se com ele. Acreditando que a motivação dela é financeira, agora Phil está decidido a atormentar Rose (Kirsten Dunst) e seu filho Peter (Kodi Smit-McPhee).
Conhecida principalmente por ter feito “O Piano” (1993), Jane Campion volta realizar um longa-metragem pela primeira vez desde “O Brilho de uma Paixão” (2009). Nesse novo trabalho, ela escreveu e dirigiu uma obra baseada no livro “The Power of the Dog”, lançado por Thomas Savage em 1967.
Situada no estado americano de Montana em 1925, a narrativa inicialmente parece focada quase exclusivamente na introdução de seus personagens, num começo com um ritmo que requer um pouco de paciência do espectador. Entretanto, quando olhamos para o começo já conhecendo o desfecho, notamos que desde sempre o roteiro plantou informações úteis para o final.
Exceto pelo Phil, os personagens procuram evitar desgastes nas relações, em uma espécie de Guerra Fria no rancho da família Burbank. Essa ausência de grandes embates interpessoais acaba gerando conflitos internos, o que move a história para atitudes inesperadas e culmina em um desfecho surpreendente, coerente e que abre margem para diferentes interpretações.
Ainda que seu personagem se destaque por suas atitudes, Benedict Cumberbatch (O Jogo da Imitação) apresenta uma atuação na qual também constrói um interesse pela mente do Phil. O silêncio dele nos faz pensar qual será sua reação ao ouvir algo que lhe desagrade. Ao aproximar-se de alguém, uma dúvida surge sobre suas reais intenções. Seja na intempestividade ou no silêncio, o bom trabalho do ator nos faz encontrar muita autenticidade em cena.
Intérprete do outro irmão, Jesse Plemons (Breaking Bad) encarna perfeitamente a postura daquele homem pacífico do início do século XX, cujos desejos são ter alguém ao seu lado e preservar o sucesso da família. Por sua vez, Kirsten Dunst (Maria Antonieta) vive uma mulher que sofre com as transformações de sua vida, iniciadas após a morte do primeiro marido. A atriz transmite bem como a personagem vai se perdendo de si mesma.
Apesar de ser um drama de faroeste com momentos de romance, essa é uma obra que certas vezes também conta com um tom de suspense, seja na trilha sonora de Jonny Greenwood (Sangue Negro), na tensão da descoberta de um segredo, nos instantes de silêncio e de portas rangendo, ou ainda pela atuação de Kodi Smit-McPhee, na qual uma certa frieza tranquila é transmitida pelo jovem que quer tornar-se um cirurgião.
Hábil com trabalhos manuais que requerem perícia e sensibilidade, o Peter distingue-se dos cowboys na forma como se veste e por seu porte físico esguio, o que lhe leva a ser alvo de chacotas. Ainda que opiniões externas não pareçam abalá-lo, internamente, o rapaz não deixa de preocupar-se com “que tipo de homem” quer ser, ao dizer logo no começo que não deixaria de proteger a mãe.
A obra apresenta divergentes noções de masculinidade, não apenas colocando os diferentes comportamentos como somente mais uma característica, mas tornando isso algo decisivo para o desenrolar de toda a trama. Assim, o filme nos leva para o passado visando conversar com o presente sobre o que é ser homem. E faz isso muito bem com uma ambientação adequada, boas atuações e sabendo lidar com o tema que aborda.