Buddy (Jude Hill) cresce em uma região onde todos se conhecem e ele sempre pôde brincar com tranquilidade. Porém, num dia qualquer, um tumulto faz aquele lugar repentinamente perder sua inocência. Desesperada, sua mãe lhe tira do meio da rua e o leva para dentro de casa. Escondido debaixo de uma mesa, o garoto só ouve gritos, vidros quebrando e o som de uma explosão. Belfast já não é mais a mesma.

Aos 61 anos, Kenneth Branagh nos mostra como era sua vida quando ele tinha apenas nove. Neste filme autobiográfico, o diretor e roteirista nos leva para 1969, ano no qual a capital da Irlanda do Norte vivia um grave conflito entre protestantes e católicos. Ao abordar a confusão que tomou conta da cidade, ele nos apresenta essa situação sob a perspectiva que tinha como uma criança.

Só que apesar de retratar dias difíceis, o cineasta não coloca em cena qualquer ressentimento em relação à época. Pelo contrário. Somos apresentados a uma família amorosa e que buscou ao máximo blindar os filhos dessa situação, notamos como começou a paixão dele pelo cinema e conhecemos a primeira garota que ele amou. Até mesmo a religião é tratada de forma lúdica, pois o menino aparece maravilhado com o conceito da confissão na Igreja Católica, pois, sob sua ótica infantil, isso é uma licença para alguém acumular pecados e obter perdão posteriormente.

Ao abordar esse período, um clima saudosista logo é estabelecido, uma vez que o filme é quase inteiramente em preto e branco. E já que o que é visto se baseia nas memórias do diretor, o garoto quase sempre está em cena. Mesmo quando os adultos estão discutindo algo, sua presença ao redor deles nos mostra como ele está absorvendo situações, como por exemplo, uma eventual mudança para a Inglaterra.

Deste modo, o menino é foco das câmeras mesmo quando está quieto, o que exigiu que o personagem recorrentemente aparecesse atento ao que ouvia. Ao longo de todo o filme, o ator estreante Jude Hill prova que sua escolha para o papel foi acertada, pois traz no olhar e em suas expressões a curiosidade de um garoto que quer entender o que ocorre, além de sempre reagir de acordo com aquilo que a cena requer.

Merecidamente indicados ao Oscar, Ciarán Hinds e Judi Dench foram brilhantes ao interpretarem os avós do garoto. Ele vive um personagem alegre e que se dá muito bem com o neto, ao ponto de lhe ensinar técnicas para conseguir conquistar a colega de escola. Por sua vez, a veterana atriz encena uma senhora muito religiosa e calejada pela vida, mas que não deixa de demonstrar afeto pela família, especialmente pelo menino.

Não é por acaso que “Belfast” é uma bela união de sua história cativante, das boas atuações, da fotografia que enquadra bem o protagonista e de uma trilha sonora inspiradora. Isso acontece porque esse é um filme no qual o diretor colocou sua alma, de um modo que inevitavelmente tudo funcionaria muito bem. Ao resgatar o olhar que tinha na infância, Kenneth Branagh apresenta dias difíceis de seu país de uma forma única, honra sua família e presta uma bela homenagem a sua cidade natal.