Esse texto contém spoilers.
Ir ao colégio às sete da manhã de um sábado é literalmente um castigo, dessa vez imposto a alguns alunos que aparentam ser completamente diferentes um dos outros: um esportista, o estudioso, um valentão, a patricinha popular e uma garota excêntrica. Eles vão chegando aos poucos, quase todos trazidos por familiares, para se encontrarem com o diretor na biblioteca da instituição. Além de ficar sentados, acordados e em silêncio por nove horas, os estudantes penalizados precisam escrever uma redação de mil palavras contando quem eles pensam que são.
“Clube dos Cinco” é um dos melhores frutos sua época. A indústria do cinema finalmente havia entendido que os adolescentes eram consumidores rentáveis e que precisavam ser atraídos. Entretanto, o público juvenil ainda não se sentia suficientemente representado pelo jovem Luke Skywalker de uma galáxia muito distante, pois vislumbrava ver a própria vida nas telonas. E John Hughes compreendeu isso como ninguém naquele período entenderia.
Diretor e roteirista do filme, lançado um ano após ele também ocupar essas funções em “Gatinhas e Gatões” (1984), John Hughes não nos leva apenas para dentro do ambiente escolar. Ele enxerga e nos insere nas preocupações daqueles estudantes. Os cincos estereótipos mencionados anteriormente são usados pelos alunos para encobrirem as próprias tristezas. E ao ir fundo nas aflições de seus personagens, a obra alcança as angústias e dá voz verdadeira ao seu público.
No início da história, especialmente devido as atitudes do briguento John Bender (Judd Nelson), é difícil imaginar como os cinco seriam capazes de se suportar por tantas horas. O roteiro usa esse personagem de maneira sábia, ao torná-lo um provocador que faz os demais expressarem aquilo que parecem ser. E depois de explicitar essas aparências, a narrativa passa a nos mostrar quem eles são de verdade.
O bom trabalho dos atores foi crucial nesse processo. Especialmente no caso do Judd Nelson, uma vez que o Bender é aquele que mais destoa entre o que aparenta ser e quem de fato é. Ele assume desde o início uma postura de mostrar-se como aquele que manda ao colocar os pés na mesa, importunar uma das garotas e confrontar o diretor Richard Vernon (Paul Gleason). Ao mesmo tempo, o rapaz possui uma postura de fragilidade e um olhar de medo, sobretudo no momento onde é ameaçado e desafiado pelo gestor do colégio.
O principal alvo das provocações de Bender é Claire Standish. Usando brincos de diamantes e chegando na escola numa BMW, ela demonstra orgulho de sua popularidade e se acha melhor que os outros quatro. É interpretada por Molly Ringwald, que já havia trabalhado com John Hughes em “Gatinhas e Gatões”. A atriz faz ótimas caras de desprezo e reage de maneira autêntica quando sua personagem, junto aos demais, revela suas adversidades.
Se na aparência o esportista Andrew Clark, interpretado por Emilio Estevez, diferencia-se do estudioso Brian Johnson, vivido por Anthony Michael Hall, por dentro ambos estão quebrados. Os atores demonstram bem o esgotamento emocional de seus personagens, especialmente no marcante momento em que eles dizem as razões pelas quais foram parar ali.
E lá no canto e sem querer papo com ninguém está a Allison, uma garota vista como estranha por todos e que é ignorada pelos pais. A atriz Ally Sheedy dá vida a sua quieta personagem fazendo ela manifestar suas opiniões através do olhar e das expressões faciais de mistério, reprovação, incredulidade, tédio, raiva e compaixão. Ao contrário dos outros quatro alunos, cujas revelações explicitam quem eles realmente são, sua transformação no visual gera uma dúvida sobre se ela estava sendo quem gostaria de ser ou adequou-se ao que os demais desejavam que ela fosse.
Não é fácil para aqueles adolescentes expor suas fragilidades, sempre relacionadas a dois assuntos: dificuldades na relação com os pais e virgindade. E todos os cinco jovens atores demonstram bem o dilema de seu respectivo personagem na dúvida entre expor ou não seus problemas aos demais. Cada um deles, evidentemente, agindo de acordo com a personalidade requerida pelo papel.
Apesar de ambientar-se apenas em algumas horas de um sábado, a história não se restringe a esse dia. Os diálogos trazem acontecimentos anteriores, que nos mostram o que era a vida daqueles estudantes até ali e como eles podem passar a se enxergar depois daquele momento. O encontro na escola é uma catarse capaz de fazê-los perceber que, ao contrário do que parece, são sim muito parecidos.
Não faltam simbolismos nesse filme. A decisão de colocá-los em uma biblioteca e não numa sala de aula indica que naquele ambiente eles poderiam aprender por conta própria. Outro aspecto é que, ao longo das horas, eles vão tirando as jaquetas e casacos que os cobriam, terminando o dia apenas com roupas leves. Isso representa visualmente o fato de que estão despindo-se de aparências para mostrar quem realmente são. Também diz muito a decisão de colocar os alunos sentados no chão na cena em que falam de maneira franca sobre seus problemas, visando expressar uma disposição real deles ouvirem uns aos outros e mostrarem seus sentimentos.
Várias discussões podem ser levantadas após se assistir ao longa-metragem. É possível olhar a história sob a ótica das expectativas externas colocadas sobre os adolescentes, além de como eles assumem essas visões de fora em suas aparências, atitudes e entendimentos sobre si mesmos. Outra perspectiva que pode ser discutida é sobre como o ser humano, ao vivenciar as próprias dificuldades, possui uma tendência a idealizar uma vida perfeita para os outros.
O filme também faz dos colégios um alvo de debates, tanto sobre a maneira como as escolas enxergam seus alunos, como também sobre meios para poder ajudá-los a se conhecerem de verdade. Ainda no ambiente escolar, levanta o peso da validação dos amigos sobre decisões dos adolescentes, como a maneira que se vestem, agem e com quem se relacionam. Isso faz do momento de questionamento do Brian, sobre eles tratarem-se como amigos dali para frente, um dos mais tocantes da história.
Há várias atitudes no filme, algumas mostradas e outras relatadas, que hoje são vistas com muito mais rigor do que em 1985. Entretanto, isso não torna a obra menos admirável. Pelo contrário: “Clube dos Cinco” expressa tanto sobre a época de sua gravação que foi selecionado em 2016 para o acervo de longas-metragens preservados pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, onde se arquivam filmes de significativa relevância cultural, histórica ou estética.
E mesmo que os tempos sejam outros, que valores tenham mudado e a internet tenha aparecido como um novo fator na vida dos adolescentes, o roteiro de John Hughes permanece atualíssimo em um aspecto: a maneira como nós humanos lidamos com nossas aflições e as encobrimos dos demais. Talvez as roupas da moda tenham mudado e certamente eles agora estão com celulares nas mãos, mas com certeza esportistas, estudiosos, valentões, patricinhas e excêntricas continuam indo à escola, para quem sabe um dia se reunirem para conhecer a si mesmos.