Os cinco curtas-metragens de animação que concorrem ao Oscar 2021 apresentam muita diversidade, seja na profundidade de suas histórias ou na beleza de seu visual. Alguns destacam-se mais pela originalidade, enquanto outros buscam nos emocionar. Nessa publicação especial, analisamos sem spoilers um pouco de cada um desses filmes.
TOCA (BORROW)
Uma coelhinha sonha em ter um lugar para morar, mas ao cavar o chão não encontra espaço. Por lá já vivem outros animais como toupeiras, sapos e ratos. Ela persiste na busca até que sua pá encontra algo inesperado e que pode colocar tudo a perder.
Em seis minutos, a diretora e roteirista Madeline Sharafian aborda vários temas. Ali vemos uma protagonista que sente vergonha de seu humilde projeto, mas é persistente no desejo de realizá-lo. Além disso, a obra aponta o valor do convívio em sociedade, por mais que cada um possua sua individualidade.
Desenhada a mão, a animação em 2D é belíssima e pode ser vista tranquilamente até mesmo por crianças bem pequenas. Mesmo sem apresentar diálogos falados, ela rapidamente prende a atenção. A trilha sonora utiliza música clássica e se encaixa muito bem com cada momento da história.
Disponível no Disney Plus, esse é mais um grande acerto da Pixar para encantar crianças e adultos.
SE ALGO ACONTECER… TE AMO (IF ANYTHING HAPPENS I LOVE YOU)
Sentados de lados opostos de uma mesa de jantar, um casal mal consegue trocar olhares. Na vida deles não há cores, tudo é acinzentado. Aos poucos, fica claro que a causa daquele afastamento entre eles não é uma mera discussão rotineira, mas a trágica perda da filha de dez anos.
Michael Govier e Will McCormack dirigiram e roteirizam essa linda obra que expressa o sentimento humano diante de memórias bonitas, mas carregadas de uma tristeza profunda. Eles nos apresentam uma história onde a alma é apresentada através de sombras que acessam nossas lembranças e interagem com elas. Se o objetivo era tocar em nossos corações, então eles acertam em cheio.
Essa materialização de nossos sentimentos é acompanhada por uma boa narrativa, na qual as recordações geram uma ação que puxa uma memória de outro personagem, o que faz a trama mover-se. A história também é corajosa, não só por abordar o luto em uma animação, mas também por abordar um assunto grave e muito debatido na sociedade dos Estados Unidos.
O visual da animação em 2D é encantador e sabe se transformar de acordo com o progresso da história. Uma vez que não existem diálogos falados, o progresso da narrativa é contado visualmente e, portanto, o trabalho de Youngran Nho — diretor de animação e responsável pelo storyboard — foi crucial para que as imagens transmitissem a jornada pretendida pelo roteiro. Outro ponto muito forte do curta-metragem é sua trilha-sonora, especialmente pelo uso da música “1950” de King Princess.
O profundo curta-metragem de 12 minutos está disponível na Netflix. Caso eu fosse um dos votantes do Oscar, esse filme teria o meu voto nessa categoria.
OPERA
Este curta-metragem é sem dúvida o mais diferente dentre os concorrentes ao Oscar. Aqui somos apresentados a uma pirâmide na qual habita toda uma sociedade. Nela vemos desde os poderosos até os trabalhadores mais humildes. Há também referências a vários setores sociais como religiões, fábricas, escolas e até mesmo rituais fúnebres.
O filme do diretor sul-coreano Erick Oh mostra uma realidade onde muita coisa acontece ao mesmo tempo. Para o espectador é até difícil escolher para onde olhar. Apesar disso, a ausência de diálogos pode fazer algumas pessoas acharem a obra um pouco entediante, especialmente crianças.
Apostando na originalidade visual, a história possui momentos de grandes transformações que nos surpreendem, além de abrir margem para infindáveis interpretações. A minha é que por mais que tudo mude, as coisas vão sempre tornar a encontrar uma rotina.
Por enquanto, a veiculação oficial do filme está restrita a festivais de cinema, além de exibições especiais anunciadas no perfil de Twitter @operamundi2021.
YES-PEOPLE (JÁ-FÓLKIÐ)
O dia se inicia e os moradores de um prédio residencial começam a enfrentar sua rotina diária. Seja na aula, durante o trabalho, ao tirar a neve da calçada, fazendo uma leitura ou simplesmente embriagando-se, todos eles têm algo em comum: exercem suas atividades de forma monossilábica.
A gente pode não reparar, mas nossa rotina é repleta de pequenas expressões como ah, eh, sim, hum, aham, dentre outras. Inspirado nesses breves barulhos que fazemos, o diretor islandês Gísli Darri Halldórsson criou uma narrativa curiosa, na qual um dia inteiro se passa com todos dizendo tudo que precisam apenas dessa forma.
O problema é que a história apresenta uma mera rotina. Não há nada que tire a vida dos personagens da normalidade e os faça buscar uma solução. Inexistem dilemas, momentos surpreendentes ou qualquer antagonismo. Desse modo, apesar de instantes onde um sorriso vem ao rosto, a narrativa se torna chata como qualquer rotina monótona. O ponto forte está na modelagem em 3D dos personagens, os apresentando de forma caricata, o que traz comicidade para obra.
“Yes-People” pode ser assistido via aluguel através do Vimeo.
GENIUS LOCI
Após acordar e colocar seu bebê no berço, uma jovem deixa um copo de água derramar. A partir desse momento, ela entra em uma espécie de experiência transcendental, na qual as coisas mudam de cor e de forma. Folhas de papel podem repentinamente virar cães correndo um atrás do outro, assim como uma simples maçã é capaz de começar a vibrar como um celular.
Achou estranho, não é? Pois esse parece ter sido o intuito do diretor francês Adrien Merigeau. Junto com o roteirista Nicolas Pleskof, ele desenvolveu uma narrativa na qual a lógica não se faz muito presente, pois tudo parece um sonho estranho, daqueles que ao acordarmos ficamos por horas tentando encontrar um significado.
Entretanto, visualmente é entregue uma obra incrível. A todo momento o filme lhe apresenta alguma imagem digna de ser emoldurada e posta na parede da sala. Aquilo que está em cena vai se transformando, formas geométricas ganham vida e cores fortes se unem para nos entregar algo que pode até não fazer sentido, mas é lindo de se ver.
O curta-metragem de 15 minutos pode ser visto no YouTube, mas com áudio original em francês e legendas em inglês.