Conforme dizia Vinícius de Moraes, “a vida é arte do encontro”. Entretanto, muitos de nossos contatos interpessoais podem impor dificuldades. Alguns não vão querer lhe permitir a seguir em frente, outros vão lhe dar a mão e ajudar, enquanto ainda há aqueles que lhe julgarão com base em sua origem étnica. Os concorrentes ao Oscar de Melhor Curta-Metragem apresentam realidades diversas, mas possuem em comum o encontro de seres humanos de diferentes grupos sociais. Conheça os indicados:
FEELING THROUGH
Na madrugada de Nova York, um jovem morador de rua caminha sozinho após se despedir dos amigos. Em uma esquina, ele vê um homem parado segurando nas mãos uma placa que diz: “eu sou surdo e cego. Toque-me se você puder ajudar”. Um tanto na dúvida sobre o que fazer naquela situação, o adolescente resolve colaborar e vive uma experiência única.
Antes de falar propriamente do curta-metragem, vale muito a pena contar um pouco de seu bastidor. A ideia desse filme surgiu após o diretor e roteirista Doug Roland ter tido contato com um surdo-cego pela primeira vez na vida, em uma situação parecida com a do personagem Tereek (Steven Prescod). Ele percebeu a dificuldade de estabelecer uma comunicação e viu que isso daria uma boa história.
Visando transmitir precisão e autenticidade, o diretor buscou um ator surdo-cego para protagonizar o filme, algo jamais visto na história do cinema. Na cozinha de uma fundação que ajuda surdos e cegos, Doug encontrou a pessoa certa para interpretar o Artie. Trata-se de Robert Tarango, um homem surdo de 55 anos. Ele nasceu enxergando normalmente, mas hoje possui um baixíssimo nível de visão. Ao longo da vida, Robert sempre quis ser um ator, mas até aqui nunca havia tido a oportunidade.
Quando sua chance chegou, ele foi brilhante ao interpretar um alguém que nos transmite serenidade. Ao encarar a vida, o Artie não demonstra sentir-se limitado ou deprimido por sua deficiência. Por sua vez, Steven Prescod nos apresenta um adolescente que se ressente das pancadas da vida, razão pela qual não possui muita boa vontade. O jovem ator vai bem ao transmitir uma gradativa mudança de postura do Tereek com o avançar da trama.
Uma das maiores belezas do cinema está na capacidade de fazer a gente se colocar no lugar do outro. Aqui está uma obra capaz de fazer isso de maneira brilhante. O curta-metragem de 18 minutos está disponível para ser visto gratuitamente no YouTube, onde já possui mais de três milhões de visualizações. O áudio original e legendas são em inglês. Também no YouTube é possível assistir ao making of.
WHITE EYE
Um mês após ter sua bicicleta roubada, o jovem Omer (Daniel Gad) encontra ela acorrentada na rua. Visando recuperá-la, ele liga para polícia que vai até o local. Quando é descoberta a pessoa que estava em posse da bike, a trama ganha um caminho inesperado e o rapaz se vê diante de uma delicada situação.
O curta-metragem israelense escrito e dirigido por Tomer Shushan possui um ótimo ritmo, ao ponto de seus vinte minutos parecerem passar em cinco. Totalmente filmada em um grande plano-sequência que acompanha o Omer, a obra coloca seu protagonista em busca do que é dele, mas também diante da possibilidade de causar uma injustiça.
Nesse ponto, entendo que o roteiro é um pouco cruel com seu personagem principal, uma vez que ele age sem possuir total conhecimento sobre algo relacionado ao suposto assaltante. Este, por sua vez, estranhamente não intervém em uma ação do Omer, se antecipando e falando tudo que precisava ser dito, no intuito de evitar uma situação ruim para todos. Assim, ainda que bem contada, a história torna-se menos crível.
DOIS ESTRANHOS (TWO DISTANT STRANGERS)
Ao deixar o prédio da moça com quem passou a noite, Carter (Joey Badass) é abordado de forma truculenta por um policial e acaba sendo assassinado por asfixia. Logo depois, o jovem negro acorda de novo ao lado da Perri (Zaria Simone). Ao sair do prédio, ele é morto novamente e torna a despertar na mesma cama. Ciente de que está em uma prisão temporal, o rapaz busca uma forma de conseguir escapar dessa terrível situação.
Dirigido por Martin Desmond Roe e Travon Free, sendo este último também o roteirista, “Dois Estranhos” apresenta uma premissa que lembra “Feitiço do Tempo” (1993), onde o personagem vivido por Bill Murray sempre vivia o mesmo dia e não morria mesmo após se suicidar. Entretanto, este curta-metragem não possui nem um pouco do tom cômico do clássico filme, pois é impactante ao abordar o ódio e a perseguição de policiais brancos contra pessoas negras.
Ao mesmo tempo que a narrativa rapidamente aguça a curiosidade e prende sua atenção, a obra também lhe causa um sentimento muito ruim, ao vermos aquele homem ser recorrentemente submetido a tamanha desumanidade. A trama mescla um loop temporal, o que se trata de uma grande fantasia, junto com a mais crua realidade. É impossível ouvir o “eu não consigo respirar” e não lembrar imediatamente de George Floyd.
Para nós negros, também é inevitável não ver a si próprio ou a algum amigo na pele do Carter. Apesar disso, por mais duro que seja ver o rapaz ser morto tantas vezes, gosto de ver a obra levantar um questionamento fundamental: é a isso que a população negra está destinada? Independentemente do que façamos, o ódio e a morte vão sempre nos perseguir? A vivência do protagonista é uma metáfora perfeita ao unificar nele a realidade a qual tantos são submetidos.
A montagem contribui muito no desenvolvimento da história, pois não foca apenas na recorrência, ao também valorizar a introspecção de alguém que procura uma saída. Dentre os atores, Joey Badass apresenta a continuidade emocional que seu personagem precisava. Quem também vai muito bem é Andrew Howard, intérprete do policial Merk. Ele apresenta um olhar de ódio que confere muita autenticidade a suas cenas.
O curta-metragem de quase meia-hora encontra-se disponível na Netflix.
THE LETTER ROOM
O policial Richard (Oscar Isaac) recebe uma nova função na penitenciária onde trabalha. Agora, ele terá de ler trechos de correspondências trocadas entre os prisioneiros e seus familiares, no intuito de verificar se há qualquer conteúdo relativo à atividade criminosa. Ciente de que não pode ler o conteúdo completo, ele ultrapassa essa diretriz e mergulha nas cartas, o que lhe leva a descobrir que uma pessoa corre perigo.
Escrito e dirigido por Elvira Lind, o curta-metragem apresenta uma premissa promissora, mas uma história que deixa desejar. Situado em uma prisão onde há condenados à morte, o policial poderia encontrar casos muito mais interessantes, indo desde questões perigosas até os relatos de quem se prepara para o fim da vida. Ao invés disso, a trama se concentra em cartas enviadas a um prisioneiro que sequer responde ao que lhe é escrito.
Além disso, ao aproximar-se de seu desfecho, a narrativa ainda lhe frustra ao entregar menos que o esperado, por mais que certa revelação te surpreenda. Intérprete do personagem principal, Oscar Isaac encarna bem a postura de um cara com a vida entediante, mas com olhar curioso diante de algo que chama sua atenção.
A obra de 32 minutos pode ser vista com custos através do Vimeo.
THE PRESENT
Visando fazer uma surpresa para a esposa no dia de seu aniversário de casamento, o palestino Yusef (Saleh Bakri) e sua filha Yasmine (Mariam Kanj) saem de casa rumo a Cisjordânia, onde ele pretende comprar uma nova geladeira para a família. Porém, a travessia da fronteira entre as duas regiões pode gerar adversidades.
Dirigido por Farah Nabulsi, uma britânica que é filha de palestinos, o curta-metragem preza pela simplicidade. A câmera está sempre próxima e na altura de seus personagens, a trilha sonora restringe-se ao início e ao fim do filme, os cenários parecem ser locações reais e os figurinos são roupas comuns do dia a dia.
Essa naturalidade visa mostrar como aquele deveria ser um dia comum, no qual um pai e sua menina saem para fazer algo corriqueiro. Entretanto, aquele é um lugar onde a simplicidade da vida é dificultada. Ao mostrar como fatos triviais para a gente podem ser um grande problema em certas partes do mundo, “The Present” enfatiza que quando arbitrariedades afetam nossa vida, ainda podemos encontrar a cumplicidade daqueles que amamos.