Relevância não falta para cada um dos cinco documentários de curta-metragem indicados ao Oscar 2021. Todos eles apresentam histórias que merecem ser conhecidas pelo mundo. Entretanto, cada um faz isso apresentando características bem particulares. Nessa publicação especial, o Filme da Vez analisa as virtudes e fraquezas desses filmes.
COLETTE
Aos 90 anos, Colette Marin-Catherine decide fazer algo que evitou durante toda sua vida: visitar o Campo de Concentração Mittelbau-Dora, local onde seu irmão foi morto durante a Segunda Guerra Mundial. Quem lhe acompanha é Lucie Fouble, uma estudante de História que pesquisa sobre o holocausto. Juntas, elas visitam as instalações do lugar, além de reviverem as memórias da época em que Colette participou resistência francesa contra o nazismo.
No documentário de 24 minutos, o diretor Anthony Giacchino tinha a difícil missão de conduzir uma senhora idosa até lembranças dolorosas, mas sem que isso parecesse ser uma gravação oportunista. E seu grande acerto está na presença da Lucie. Apesar de sua personalidade forte, Colette constrói com a jovem uma relação fraterna e de respeito mútuo. Há na obra um propósito de fazer uma ponte entre gerações, no intuito de que os fatos relatados não se percam no tempo, nem tornem a acontecer.
Ao contar a história de Jean-Pirre Catherine, o curta-metragem honra através dele todos aqueles que foram vítimas do nazismo. A montagem acerta especialmente ao utilizar imagens da época enquanto ouvimos o relato de Colette. Já a fotografia possui como principal virtude saber tanto quando aproximar-se, como o momento de afastar-se das duas. Se eu fosse um dos votantes do Oscar, “Colette” teria meu voto.
Profundamente tocante, o curta-metragem é uma produção do jornal britânico The Guardian e está disponível gratuitamente no YouTube. A obra possui áudio original em francês e legendas em inglês.
UMA CANÇÃO PARA LATASHA (A LOVE SONG FOR LATASHA).
Em um verão do final dos anos 80, Tybie “Ty” O’Bard entrou numa piscina sem saber nadar. Alguns garotos notaram isso pela sua posição próxima a borda e resolveram afogá-la. Por acaso, uma garota da mesma idade passava por ali e mergulhou para salvá-la. Seu nome era Latasha Harlins e ali nascia uma amizade que seria interrompida de forma trágica.
Narrada pela amiga Ty e pela prima Shinese Harlins, a história de Latasha é dolorida de se conhecer. Apesar de ter perdido a mãe desde muito cedo, a menina possuía sonhos, construía fortes amizades, cuidava da família e tinha boas notas. Até ser morta ao tentar comprar um suco de laranja, num crime que foi um dos estopins para uma série de protestos antirracistas ocorridos em Los Angeles no ano de 1992.
Nesse seu primeiro filme, a diretora Sophia Nahli Allison utiliza a narração de Ty e Shinese enquanto a jovem atriz Brittany Hudson encena os fatos relatados. Ao honrar a vida de Latasha, sua obra denuncia como vidas repletas de um futuro promissor são ceifadas pelo racismo.
Tendo em mãos cenas que reconstituem muito bem a rotina da jovem, a montagem dá um ótimo ritmo a obra. Quando a morte é relatada, acertadamente há o uso de imagens abstratas, apresentando visualmente o quão difícil foi assimilar aquele acontecimento.
O curta-metragem de 19 minutos encontra-se disponível na Netflix.
DO NOT SPLIT
Hong Kong, junho de 2019: após a permissão de que presos fossem extraditados para serem julgados na China continental, jovens manifestantes tomam as ruas para protestar contra a interferências chinesas no país. A polícia reage de forma considerada brutal, o que aumenta o temor de que a democracia por ali está chegando ao fim.
“Do Not Slit” — que em português poderia ser traduzido como “Não Se Dividam” — acompanha o progresso dos protestos até o momento em que eles foram interrompidos pela pandemia de COVID-19. As imagens gravadas de dentro das manifestações expõem a coragem dos protestantes e a intensidade da ação das forças de segurança.
No meio disso estava o documentarista e jornalista norueguês Anders Hammer. Ele filmou, dirigiu e produziu a gravação. A obra acertadamente não se restringe a mostrar os momentos de confronto, pois dá espaço para os jovens explicarem as reivindicações, além de ser expressa a falta de perspectiva de um futuro promissor para essa geração. O único defeito do filme é tornar-se um pouco repetitivo a partir de certo ponto.
O curta-metragem de 35 minutos pode ser visto gratuitamente no YouTube, mas a legenda está disponível apenas em inglês.
A CONCERTO IS A CONVERSATION
Ciente de que seu avô já uma possui idade avançada, o compositor Kris Bowers busca passar o máximo de tempo possível ele. Em um desses encontros, Horace Bowers relata para o neto como superou a discriminação racial e tornou-se proprietário de uma empresa aos 20 anos de idade.
A função de Kris neste curta-metragem não se restringe ao diálogo dele com o avô, pois ele também dirige o documentário em parceria com o codiretor Ben Proudfoot. Ao contar essa história na qual está diretamente envolvido, Kris Bowers faz seu avô relatar boa parte de sua vida em suas próprias palavras.
Juntos eles também relembram o início da vida musical de Kris, de quem Horace foi um grande incentivador. Deste modo, a obra pode ser vista principalmente como uma gravação para a posteridade, na qual um neto busca registrar a trajetória de vida de seu avô e o vínculo entre eles.
Nesse contexto, o espectador pode ter uma relação ambígua com a obra. Por um lado, sentimos o privilégio de assistir a essa bonita relação. Porém, infelizmente, essa conversa é transmitida com certa artificialidade. As perguntas não soam espontâneas. Além disso, o Kris olha para câmera enquanto Horace olha para o Kris. Uma vez que somos espectadores de uma conversa entre avô e neto, seria mais agradável ver um olhando para o outro, ao contrário do uso de close-ups em cada um.
Um acerto da obra está na edição que utiliza imagens de arquivo, o que ajuda a dar ritmo a narrativa, dá ainda mais vida ao admirável relato de Horace Bowers, além de mostrar os dois juntos quando Kris Bowers ainda era garoto. O ritmo do curta-metragem também é fortalecido pela trilha sonora composta pelo próprio Kris Bowers.
A obra de 13 minutos encontra-se disponível gratuitamente no YouTube e foi produzida pelo jornal The New York Times.
HUNGER WARD
Desde 2015, a Guerra do Iêmen está devastando aquele lugar. Um dos principais problemas causados pelo conflito é o bloqueio de ajuda humanitária. Deste modo, a desnutrição infantil assola todo o país. Nos hospitais, os profissionais de saúde fazem um grande esforço para salvar as crianças, mas muitas chegam quando a situação já é irreversível.
Ainda sem um título em português, “Hunger Ward” pode ser traduzido como “Ala da Fome”. Dirigida por Skye Fitzgerald, a obra de quase quarenta minutos acompanha uma médica e uma enfermeira de dois hospitais, um no sul e outro no norte do país. Nos dois lugares, o cenário é o mesmo: dezenas de mulheres cobertas por burcas buscam ajuda para suas crianças visivelmente desnutridas.
O curta-metragem acerta ao mostrar todo o admirável esforço dos profissionais de saúde, dar espaço para elas expressarem aquilo que vivem, além de denunciar os países responsáveis pela guerra ou que são omissos em relação a essa situação. Entretanto, o filme ultrapassa a barreira da denúncia e torna-se sensacionalista ao exibir um bebê muito ferido, crianças recebendo massagens cardíacas e suas famílias sofrendo com suas mortes. A mensagem não precisava disso para ser passada.
As exibições digitais do curta-metragem podem ser consultadas no site: www.hungerward.org/see-the-film