Documentários de curta-metragem indicados ao Oscar 2022

Não é incomum serem produzidos documentários sobre pessoas famosas ou eventos de grande popularidade. Inclusive, não há nada de errado com isso. Mas, uma das mais belas tradições desse gênero do cinema é dar voz para aqueles que estão esquecidos pela sociedade. Nesse ano, em sua maioria, os documentários de curta-metragem indicados ao Oscar cumprem essa missão, cada um ao seu modo. A seguir, conheça essas obras em breves análises sem spoilers:

AUDIBLE

Jogador de futebol americano da Escola para Surdos de Maryland, Amaree McKenstry-Hall está no seu último ano como aluno e atleta da instituição. Aos 17 anos, ele busca ajudar sua equipe a fazer uma grande temporada, quer consolidar seu relacionamento com Lera e seguir reforçando o vínculo com o pai, após crescer sem a presença dele.

Dirigido por Matthew Ogens, o curta nos apresenta um jovem prestes a encarar um futuro no qual, ao sair da escola, suas interações com pessoas ouvintes irão aumentar significativamente. Porém, antes de projetar seu amanhã, Amaree recorda sua jornada desde quando, aos dois anos, ele perdeu a audição por conta de uma meningite, o que lhe fez crescer numa família na qual muitas vezes se sentiu deslocado, por não puder ouvir as conversas.

Durante seus 38 minutos, o filme mostra o quão importante é para o rapaz a possibilidade de ter ao seu redor pessoas que, além de lhe respeitarem, o veem como um individuo capaz de alcançar seus objetivos. E isso é feito não apenas com as imagens da convivência dele na instituição, mas também por meio de declarações que explicitam o quanto pode ser dura a vida de uma pessoa surda em um ambiente onde ela não é valorizada.

ONDE EU MORO

A maioria das pessoas enxerga Los Angeles, São Francisco e Seattle como lugares incríveis para se viver. Entretanto, essas cidades não são assim para todos. Nos últimos cinco anos, essas metrópoles declararam emergência por viverem uma crise habitacional que culminou em milhares de pessoas sem um teto para dormir.

Para quem está acostumado a ver esses locais nas telas dos cinemas e nos programas de TV, não deixa de ser assustador enxergar uma grande quantidade de barracas ao lado de regiões tomadas por prédios luxuosos. Explicitar esse contraste é uma das principais virtudes desse curta dirigido por Jon Shenk e pelo brasileiro Pedro Kos.

Entretanto, o maior acerto é dar voz a pessoas constantemente invisibilizadas pela sociedade, por questões como problemas familiares, deficiências e perda de emprego. Ao lhes ouvir, a obra inevitavelmente obtém a emoção genuína de quem há muito tempo não tinha quem lhe ouvisse.

Além de entrevistar, o curta também acompanha a luta dessas pessoas por melhorias em suas condições de vida, as dificuldades enfrentadas em sua rotina e também explicita como a sociedade lhes estigmatiza e desumaniza, inviabilizando inclusive a adoção de políticas públicas para ajudar essa população em vulnerabilidade.

THE QUEEN OF BASKETBALL

Mesmo tendo sido há mais de quarenta anos, os dias de Lusia Harris como uma estrela do basquete facilmente são resgatados em sua memória. Sempre com um sorriso no rosto, ela relembra a infância na qual assistia os jogos pela TV, as partidas memoráveis que disputou e um convite que até hoje parece surreal.

Pelo segundo ano consecutivo, Ben Proudfoot dirige um documentário de curta-metragem indicado ao Oscar. Porém, dessa vez ele apresenta um trabalho ainda melhor. Primeiro, porque escolhe ouvir o relato de uma gigante que merecia ter sua história relembrada em vida, o que quase não ocorreu. O filme foi lançado em julho de 2021 e Lusia infelizmente faleceu aos 66 anos em janeiro desse ano.

Outro mérito está no excelente trabalho de obtenção e introdução do material de arquivo. A obra apresenta uma grande variedade de vídeos e fotografias obtidas em diferentes jornais, emissoras de TV e entidades esportivas. Justamente por essa soma caprichada entre o relato e as imagens antigas, a história dela é muito bem apresentada.

Durante 22 minutos, nós conhecemos uma senhora alegre e sem mágoas do passado, no qual não teve a chance de jogar profissionalmente em uma liga feminina, pois a WNBA só foi criada em 1996. Ao apresentar Lusia Harris, “The Queen of Basketball” não apenas mostra esse talento oculto às novas gerações, mas reforça a importância da igualdade de oportunidades.

TRÊS CANÇÕES PARA BENAZIR

Vivendo em um acampamento para pessoas que ficaram desabrigadas na guerra, o afegão Shaista Khan trabalha fabricando tijolos. Agora que Benazir está grávida, ele busca uma opção melhor para sustentar a família. Entretanto, tendo tido pouco acesso a educação, lhe restam como opções trabalhar em uma plantação de ópio, onde pode acabar se viciando, ou ingressar no exército do país.

Dirigido pelo afegão Gulistan Mirzaei e por sua esposa Elizabeth Mirzaei, “Três Canções Para Benazir” apresenta um homem que procura encontrar o melhor caminho para seu futuro. Apesar de em alguns momentos não parecer muito espontânea, a obra consegue nos conectar a cultura na qual Shaista está inserido, de modo que entendemos tanto sua motivação pessoal, como os fatores externos que norteiam sua decisão. Além disso, o curta enfatiza a pobreza na região e nos questiona se aquelas pessoas realmente possuem alguma boa alternativa.

WHEN WE WERE BULLIES

Em 1965, após uma aula, os alunos da quinta série de uma escola do Brooklyn, em Nova York, cercaram um menino e bateram nele, a pedido de Jay. No dia seguinte, ao serem repreendidos pela diretora da instituição, os estudantes ouvem que agiram como animais. Cinco décadas depois, o hoje cineasta Jay Rosenblatt ainda se arrepende do que fez e decide ouvir as lembranças de seus colegas sobre o ocorrido.

Autoindulgência. Esse parece ser o objetivo do diretor ao realizar “When We Were Bullies”. Afinal, por mais que a abordagem do bullying sob a perspectiva do autor tenha seu valor, pois busca entender as razões que motivaram a hostilidade, essa narrativa fica muito esvaziada sem apresentar a voz da vítima e os impactos que isso teve na vida dela.

Visualmente, a obra até possui soluções interessantes para contar um fato sobre o qual não há imagens, ao utilizar as fotos dos alunos na época e cenas de um antigo filme do diretor. Todavia, a decisão de ouvir os colegas por telefone e de entrevistar a professora, aos 92 anos, não agrega em nada a percepção que Jay já tinha sobre o fato. Aquele que poderia gerar um diálogo que trouxesse alguma contribuição para esse tema segue com sua voz silenciada.