Esse texto contém spoilers.

O rock é o oxigênio de Dewey Finn (Jack Black). Ele sonha em tornar-se um rockstar, mas age de forma pouco profissional ao encarnar esse desejo em suas atitudes. Consequentemente, o guitarrista acaba sendo excluído da banda onde tocava. Sem dinheiro para sequer pagar sua parte no aluguel do apartamento, resolve se passar pelo colega de moradia e assumir a vaga de professor ofertada ao amigo por uma conceituada escola particular.

Diante das crianças, ele é incapaz de lecionar aulas de matérias como matemática, ciências e geografia. Assim, decide ensiná-las sobre o único assunto que realmente entende. Ao perceber o talento musical dos alunos, vê neles uma oportunidade de formar sua nova banda e finalmente realizar seu sonho. Para isso se concretizar, a renomada instituição de ensino e os pais dos estudantes não podem descobrir o plano.

A ideia de colocar um personagem nessa situação que tinha tudo para dar errado foi do roteirista Mike White, que também atua no filme ao interpretar Ned Schneebly, o professor que tem sua vaga roubada pelo companheiro de moradia. Amigo de Jack Black, ele escreveu a narrativa pensando no ator para protagonizá-la.

Sob a direção de Richard Linklater, já conhecido na época pelos filmes “Jovens, Loucos e Rebeldes” (1993) e “Antes do Amanhecer” (1995), a comédia musical “Escola de Rock” (2003) é uma obra que quase duas décadas após o lançamento até que ainda é bem lembrada, mas poderia ser muito mais reverenciada caso houvesse existido um cuidado maior com o desenvolvimento da história.

A premissa apontava para uma direção onde o protagonista ficaria em constante apuros e suas saídas inusitadas produziriam momentos engraçados, no clássico formato conhecido como Comédia de Situação. Em vários momentos isso ocorre, como quando uma menina que poderia delatar o plano de Dewey é persuadida por ele ao ganhar o cargo de manager do grupo musical. Entretanto, na maior parte do tempo vemos o personagem principal aprontar e seu plano não ficar ameaçado.

Há uma banda tocando rock em uma escola e demoram dias para ouvir o barulho, que quando é notado não gera consequências. Estranhamente, nenhuma das crianças conta em casa sobre a repentina mudança em suas aulas. Notando diferenças comportamentais nos filhos, os pais esperam por três semanas para perguntarem sobre o que estava havendo. Assim, o roteiro prefere abusar da boa vontade do espectador em acreditar na história, em detrimento de usar as dificuldades naturais da jornada para fortalecer o personagem.

A generosidade do roteiro com ele aparece até mesmo quando fica cercado pela polícia e os pais. Dewey simplesmente saí correndo, sem qualquer contratempo. Momentos como esse, que deixam a história de lado porque o público supostamente acharia aquilo engraçado, culminam numa cultura onde a comédia é tratada como algo menor, como se não fosse um gênero digno de concorrer a premiações.

Talvez teria sido mais legal se o protagonista realmente fosse preso por fingir ser outra pessoa. Enquanto isso, a tristeza das crianças seria percebida até mesmo nas notas, ao ponto dos pais compreenderem a importância daquele rapaz e tirarem ele da cadeia, pouco tempo antes do concurso, onde os alunos fariam uma grande apresentação apesar do ensaio às pressas. Sempre há uma saída coerente com os elementos da própria história.

O ponto forte do filme é seu elenco. Jack Black está no auge da carreira, vindo dos bem sucedidos “Alta Fidelidade” (2000) e “O Amor é Cego” (2001). Ao dar vida ao desajuizado Dewey Finn, ele transmite bem tanto o egocentrismo, como a insana paixão do músico pelo rock. Quando o personagem faz uma apaixonada defesa de seu ritmo musical favorito, que deveria ser valorizado e possui lendas que não poderiam ser esquecidas, o ator fala com uma veracidade de quem realmente gostaria de estar dizendo aquilo. Ninguém se encaixaria melhor naquele papel.

Um grande acerto está escolha do elenco infantil. Ali não vemos em cena apenas garotos e garotas interpretando crianças desprovidas de características próprias. Cada aluno do Dewey, independentemente do tempo em destaque, apresentava uma personalidade particular. Muitos ainda precisavam demonstrar um talento musical, seja cantando ou tocando algum instrumento. E os atores mirins deram conta da missão de passar as individualidades dos personagens de forma contínua ao longo da história.

Destaca-se Miranda Cosgrove, em seu primeiro filme aos dez anos de idade, no papel da líder de classe Summer Hathaway, já mostrando o talento que mais tarde lhe levaria a estrelar a consagrada série infanto-juvenil “iCarly”. Dentre os adultos, Mike White encarna bem o estereótipo do nerd manipulado pela namorada durona. Por sua vez, a atriz Joan Cusack é ótima no papel da diretora Rosalie Mullins. Inclusive, essa é uma personagem que acrescenta muito ao mostrar que aquele formato de ensino é severo não apenas com os alunos, mas também com os profissionais que precisam agir com um rigor indesejado.

Trazendo em sua trilha sonora consagradas bandas como The Clash, Kiss, AC/DC e Metallica, o longa metragem é uma homenagem ao rock especialmente por sua atitude transgressora, apontada como necessária para os educadores formarem pessoas confiantes e com uma boa autoestima, expressando ao mundo aquilo que possuem de melhor.

E assim o filme faz um impostor tornar-se um verdadeiro professor, ao ponto de ser recompensado pelas crianças com os próprios ensinamentos, indicando que quem vive aquilo que acredita acaba de algum modo sendo reconhecido pela vida. Ao exibir boas atuações, um clima positivo e propiciando reflexões, “Escola de Rock” pode não ter entregado tudo o que poderia ter sido com sua boa premissa, mas sem dúvidas te diverte e lhe deixa com um sorriso no rosto.