Muita coisa pode acontecer no meio do nada. Essa frase presente no cartaz define bem o que vemos no filme. Entre Fargo e Minneapolis só se vê neve para onde quer que você olhe. Mas de fato muita coisa se passa por ali, a partir do momento em que Jerry Lundegaard (William H. Macy) entra num bar e contrata Carl Showalter (Steve Buscemi) e Gaear Grimsrud (Peter Stormare) para sequestrarem sua esposa.

Apesar de tomar uma atitude desprezível e covarde contra ela, a motivação dele não é a esposa, mas o dinheiro do pai dela. Gerente de vendas na concessionária de automóveis do sogro, ele vai mal financeiramente e quer a recompensa do sequestro. A partir daí, o filme apresenta uma sucessão de acontecimentos imprevistos no plano dos criminosos. Um desses fatos motiva a aparição da policial Marge Gunderson (Frances McDormand) para coprotagonizar a história a partir dos 34 minutos do filme.

Ainda que “Fargo: Uma Comédia de Erros” seja apresentado sobre a direção de Joel Coen e produção de Ethan Coen, a realidade é que ambos fizeram as duas coisas. E mais que isso: eles roteirizaram o filme e conceberam a montagem, que nos créditos aparece sob o pseudônimo Roderick Jaynes. Logo de início eles tentam dar um tom épico para o filme, através da trilha sonora e de uma mentira. Ao contrário do que é dito, o filme não é baseado em fatos reais. Apenas há ali uma busca de lhe imergir nos acontecimentos.

Entretanto, o filme não precisava disso. Primeiro porque desde a primeira cena você já começa a pensar no que isso vai dar. Imersão garantida. E também porque seu mérito é trazer um nível de criminalidade mais comum nas grandes cidades até “o meio do nada”, para daí vermos como as pessoas dali lidam com esses acontecimentos. Os personagens dão o tom. A começar pela sequestrada, que num primeiro momento não se dá conta do que está prestes a lhe acontecer. Outro exemplo é quando um crime acontece na estrada: Marge e o também policial Lou (Bruce Bohne), ainda que surpresos com o ocorrido, demonstram tranquilidade.

Mesmo não se tratando de uma comédia, nos divertimos ao vermos os criminosos passando sufoco, enquanto a tranquila Marge se alimenta recorrentemente em virtude da fome trazida pela gravidez. Evidentemente os momentos de tensão envolvendo o sequestro aparecem. O filme continua sendo um drama de um homem isolado e desesperado financeiramente. Mas a Marge, através da brilhante Frances McDormand, dá um ar de despretensão que faz muito bem a história. A policial é o contraponto perfeito de Jerry Lundegaard.

Ele é um homem cuja aflição, que varia entre silenciosa, manipulativa e desesperada, é brilhantemente expressa no olhar de William H. Macy e na fotografia de Roger Deakins. Há um momento em que ele fracassa em uma negociação, saí de um prédio e o vemos do alto: isolado, cercado de neve, tentando limpar o vidro do carro. Ou em outro instante, quando chega em casa e senta-se perplexo, vemos seu corpo derrotado e tentando transparecer alguma tranquilidade para o filho. Já quando é pressionado, sendo alvo de perguntas da Marge, temos um plano fechado e quase conseguimos ler seus pensamentos.

“Fargo: Uma Comédia de Erros” lhe dá a curiosa sensação de terminar o filme e em um primeiro momento não saber o que pensar a respeito. Simula bem a vida ao alternar tensão e relaxamento, mostrando a diferença entre expectativa e realidade, além de, assim como na vida, nos pedir um tempo para assimilarmos e tirarmos conclusões sobre o que vivenciamos.