Fundação – 1ª Temporada (2021)

Não há nada que possa ser feito. Após 12 mil anos, o Império Galáctico viverá uma série de guerras interestelares e chegará ao seu fim. E quando milhares de mundos forem reduzidos a cinzas radioativas, dezenas de gerações viverão uma época de barbárie. Apesar de sua previsão devastadora, o matemático Hari Seldon (Jared Harris) também aponta um caminho para preservação da História da humanidade, além da redução do período de escuridão cultural: a Fundação.

De 1998 até hoje, os direitos de criar uma obra audiovisual inspirada nos clássicos livros de Isaac Asimov passaram pela New Line Cinema, Columbia Pictures e HBO. Entretanto, nenhuma dessas companhias conseguiu levar seus planos a diante. A principal razão para isso certamente é o custo de produção dessa grandiosa história, previamente contada em sete publicações lançadas entre 1942 e 1993.

Porém, enfim chegou o momento no qual podemos ver uma adaptação dessas obras, numa produção da Skydance Media com distribuição da Apple TV+. Nessa primeira temporada com dez episódios, assistimos a uma jornada na qual o Império ainda possui muito poder, mas começa a ver os primeiros sinais de seu declínio, especialmente quando seu planeta-sede é alvo de um grave atentado.

Inclusive, o modo como funciona o poder imperial é um dos aspectos mais interessantes de toda a série, pois trata-se de uma dinastia de clones do Imperador Cleon I. Três imperadores geneticamente idênticos governam ao mesmo tempo. O idoso é chamado entre eles de Irmão Crepúsculo (Terrence Mann), o mais novo de Alvorada (Cassian Bilton) e o do meio é o Irmão Dia (Lee Pace), responsável pelas principais decisões.

Na trama, cada um deles possui seu momento de destaque. Terrence Mann demonstra a devoção que os Cleons têm pelo Império no final da vida, ao ponto de dedicar-se a investigar se as palavras de Hari Seldon são verdadeiras, além de buscar aconselhar os outros dois, especialmente o mais novo, mas sempre com um tom de superioridade.

Cassian Bilton mostra bem as angústias do mais jovem, preocupado por perceber que não é tão idêntico aos outros quanto deveria. Por sua vez, ao viver o mais poderoso entre os três, Lee Pace mostra o quão arrogante, manipulador e traiçoeiro pode ser o Irmão Dia. Em sua atuação, destaca-se um momento onde seu personagem sente-se desafiado a uma missão árdua. Nesse episódio, o líder precisa demonstrar um comportamento destoante do habitual e o ator entrega isso muito bem.

Curiosamente, outro personagem que possui um perfil manipulador é o próprio Hari Seldon. O ator Jared Harris demonstra bem o tom político utilizado por seu personagem em vários momentos, quase sempre mantendo uma postura irônica e de mistério. Essas características irritam bastante a Gaal Dornick, jovem matemática recrutada por ele e que se vê repentinamente em uma revelação que irrita o Império.

Vivida por Lou Llobell, essa personagem enfrenta uma situação peculiar: contra a própria vontade, ela entra numa cápsula de criogenia e acaba em um sono que dura décadas. Quando acorda sozinha, sem ter envelhecido um único dia, a moça tenta compreender onde está e o que realmente aconteceu. Nesse contexto, a jovem atriz atua demonstrando bem o genuíno desespero que qualquer pessoa teria nessa situação.

Na publicação original de Asivov, Gaal Dornick era um personagem masculino, assim como Demerzel e Salvor Hardin. Alterar o gênero de personagens não é algo que me pareça errado, especialmente porque faz sentido atualizar a obra, uma vez que no mundo de hoje as mulheres ocupam muito mais espaços do que quando os livros foram escritos.

Todavia, mudar os valores em que se baseiam seus comportamentos não me parece correto. Salvor Hardin era reconhecido como um líder que descrevia a violência como “o último refúgio do incompetente”. É desrespeitoso com a obra original transformar esse personagem em alguém que não consegue resolver seus problemas somente através do diálogo. Além disso, as visões que ela possui trazem um aspecto sobrenatural que não condiz com a essência científica de “Fundação”.

Outra personagem que merece ser destacada é a Phara Keaen, natural do planeta Anacreon, local que é alvo de uma dura ação do Império no começo da série. As ações dela são no sentido de se vingar do sofrimento causado por essa aparente injustiça. A atriz Kubbra Sait transmite bem o rancor e a impulsividade dela desde sua chegada a Terminus.

Esse planeta, no qual a Fundação é estabelecida, não é o único que se destaca por um visual incrível. Lugar de origem da Gaal Dornick, Synnax é fascinante por seus anéis que lembram Saturno, pelo mar que cerca as residências, além do céu estrelado que já começa a aparecer no fim do dia. Sede do poder na galáxia, Trantor também deslumbra os olhos com sua Ponte Estelar, o visual urbano e os jardins imperiais. Em todos esses e outros mundos fascinantes, a fotografia valoriza os locais com planos gerais e silhuetas dos personagens.

Em certos momentos, a alternância entre as tramas não contribui com o andamento da série. Ao dar mais destaque para os Cleons, cria-se um contraste interessante entre a vida luxuosa deles e as lutas em Terminus. Todavia, um enredo acaba enfraquecendo o outro, seja por não ter a mesma importância ou pela quebra no ritmo da narrativa. Às vezes, há uma sensação de que a história não avança, mesmo com os anos passando e algumas mudanças ocorrendo.

Inicialmente, também incomoda quando um episódio termina com uma interrogação na mente do espectador, mas o capítulo seguinte sequer aborda o assunto. Posteriormente, isso passa a fazer um pouco mais de sentido, pois há muita coisa acontecendo simultaneamente. No fim, a temporada é concluída de forma morna, sem deixar grandes ganchos para a próxima. O ponto alto do último capítulo está em uma boa discussão entre os Cleons.

Ainda que algumas decisões relativas à adaptação e ao desenvolvimento da trama sejam questionáveis, “Fundação” deve ser assistida especialmente pela qualidade dessa produção. Ao nos transportar para um futuro tão distante, a trama apresenta conceitos interessantes e que nos levam a imaginar como seria viver em uma realidade assim. E quando uma série já começa nos imergindo em seu universo dessa forma, seu horizonte parece ser promissor.