Ao fingir ser um policial e abordar alguns homens em um bar, o assaltante Bill O’Neal (LaKeith Stanfield) consegue as chaves de um desejado carro, mas logo é capturado. Diante de Roy Mitchell (Jesse Plemons), um agente especial do FBI, ele recebe uma oferta: ter sua liberdade em troca de infiltrar-se nos Panteras Negras, onde descobriria os planos do grupo para que as forças de segurança não fossem surpreendidas.

Inspirado em fatos reais, “Judas e o Messias Negro” nos leva para Chicago em 1968, pouco tempo após o assassinato de Martin Luther King. As palavras do vencedor do Prêmio Nobel da Paz inspiram Fred Hampton (Daniel Kaluuya), líder local dos Panteras Negras. Ele busca unir esforços com outros grupos para prover educação e saúde para a marginalizada população negra, enquanto denuncia em seus discursos a perseguição política e da polícia.

Além exibir práticas racistas enraizadas, o filme também tem o mérito de apresentar dois personagens reais que possuíam fortes dilemas internos. Ao notar que não estava espionando terroristas, o Bill pondera se não deveria parar de trair os Panteras Negras. Por sua vez, diante de tantos dos seus heróis assassinados, o Fred se vê num contexto onde continuar lutando pode torná-lo mais um mártir.

Pouco a pouco, a obra dirigida por Shaka King consegue nos tornar íntimos dos dois protagonistas. Temos acesso tanto as reuniões secretas do Bill com o agente do FBI, como a vida particular de Fred e sua parceira Deborah Johnson (Dominique Fishback). Essa nossa proximidade também é alcançada graças à montagem, pois esta encadeia cenas consecutivas de cada um deles, sem ficar alternando toda hora entre um e outro.

A trilha sonora enfatiza o peso da história, o que em muitos momentos é necessário. Todavia, ela poderia ter exercido também o papel de trazer um pouco de leveza em cenas que pediam por isso. Ao nos ambientar na época, os cenários e locações parecem um pouco limitados pelo orçamento do filme, mas não o comprometem. Um acerto está nos figurinos que contribuem com a história, sendo importantes para distinguirmos pessoas de diferentes movimentos sociais.

Após contracenarem brevemente no filme “Corra” (2017), LaKeith Stanfield e Daniel Kaluuya agora dividem o protagonismo. O primeiro precisou atuar de forma mais reativa, pois seu personagem é essencialmente um ouvinte de ordens do FBI e de informações dos Panteras Negras. Nessa circunstância, vemos no Bill incredulidade com aquilo que é solicitado, mas também sua satisfação ao escapar de ser desmascarado. Também há instantes onde é necessária uma postura ativa, como em um momento onde ele precisa discutir com o Fred.

Já o personagem do Daniel é bem mais falante, uma vez que sua posição de liderança exige isso. O ator coloca em cena o prazer que o Fred tem em exercer aquela função, apesar das dificuldades. Seus discursos possuem um tom persuasivo de quem busca captar seguidores, mas também são carregados da verdade de quem fala com sinceridade. Quando ele está no papel reativo, ao ouvir sua companheira por exemplo, encontramos no rapaz um olhar atento.

Dominique Fishback faz com que a Deborah seja uma pessoa doce, capaz de encontrar poesia em um discurso político duro. Ao mesmo tempo, a personagem demonstra indignação e preocupação quando as coisas se agravam na vida do movimento e consequentemente do casal. Conhecido por interpretar o Todd na série “Breaking Bad”, Jesse Plemons faz um agente com pose de bom moço, mas condescendente e cúmplice de práticas racistas. Sua atuação que não se distingue muito das outras que já vi do ator.

Não dá para deixar de estabelecer paralelos entre essa obra e dois outros filmes recentes. O primeiro e mais óbvio é “Infiltrado na Klan” (2018), longa-metragem baseado em um caso de 1978, onde dois policiais espionaram um grupo supremacista branco. O segundo — no qual os Panteras Negras são mencionados — é “Os 7 de Chicago” (2020), abordando o histórico julgamento ocorrido na mesma cidade e ano de “Judas e o Messias Negro”.

Os três filmes são contundentes ao mostrar o racismo institucionalizado, algo louvável em uma indústria cinematográfica que muitas vezes ainda exibe o branco numa posição de protetor do negro. Colocar em cena aquilo que as pessoas sentem em suas vidas é fundamental, mesmo que para isso precisem escrever roteiros utilizando casos de grande repercussão ocorridos há quarenta ou cinquenta anos atrás.

Apresentando fatos do final dos anos 60, “Judas e o Messias Negro” conversa com o presente ao mostrar como os racistas articulam a sobrevivência de sua repugnante forma de ver o mundo. A peça deles no tabuleiro é um indivíduo dissimulado e egoísta, mas que se vê diante de gente com uma noção de propósito coletivo, em um esforço conjunto para garantir sobrevivência e dignidade à população negra.