Conhecido pelos amigos como Mank, Herman Mankiewicz (Gary Oldman) está literalmente quebrado. Após um grave acidente de carro, ele precisa repousar para recuperar-se das lesões que afetam sua mobilidade. Entretanto, o roteirista está ainda mais fraturado em sua vida profissional, após acontecimentos que lhe deixaram indesejado em Hollywood. Convalescente e desprestigiado, ele recebe a oportunidade de escrever o roteiro de um filme para um jovem promissor chamado Orson Welles.

Apesar do filme só ter estreado no final de 2020, o roteiro de “Mank” é antigo. No final dos anos 80, o então jovem diretor David Fincher conversava o pai, o roteirista Jack Fincher, sobre a Hollywood da década de 1930. Dali surgiu a ideia do roteiro sobre Herman Mankiewicz, mas Jack só daria seu texto como pronto em meados dos anos 90. Na época, nenhum estúdio se interessou em filmá-lo. Após o falecimento do roteirista em 2003, o script ficou guardado por David até o dia em que a Netflix lhe questionou se ele tinha algo para ser filmado após a série “Mindhunter”.

Seria um engano apresentar esse filme meramente como os bastidores da escrita do roteiro de “Cidadão Kane” (1941). O que temos são fases bem distintas da vida de um homem: prestígio, desgosto, declínio e busca por redenção. Entretanto, essas épocas não aparecem de forma linear. A montagem constantemente busca alternância, indo ao tempo em que ele tinha livre circulação nos bastidores da MGM, depois retornando aos dias nos quais o combalido Mank escreve o script.

As mudanças de épocas favorecem a percepção do que motivou Mank a escrever o clássico roteiro. Por outro lado, isso atrasa a compreensão de qual era o verdadeiro conflito da história, especialmente para quem não conhece um fato da época que é de conhecimento público: Herman Mankiewicz foi acusado de ter se inspirado na vida do magnata William Randolph Hearst para criar o Charles Foster Kane.

Assim, inicialmente fica a impressão de que o conflito de “Mank” era entre o protagonista contra sua condição de desprestigiado roteirista, alcoólatra e dependente dos cuidados de terceiros. Os flashbacks demoram a encaixar-se com o tempo presente da trama. Felizmente, quando as duas épocas da história estão finalmente integradas, o filme ganha força e entrega um ótimo terceiro ato, especialmente graças à fantástica cena em um certo jantar.

Buscando apresentar o tom de voz de alguém debilitado e com uma vida de excessos alcoólicos, Gary Oldman entrega uma tonalidade vocal muito parecida com aquela de “O Destino de Uma Nação” (2017), onde ele atuou no papel de Winston Churchill. Apesar disso, ao contrário da interpretação do antigo primeiro-ministro britânico, ele nos apresenta um Mank tranquilo e despretensioso, ainda que muito falante quando a bebida fazia efeito.

Um acerto da narrativa é inserir o Orson Welles o mínimo possível. Não que sua presença fosse indesejada, muito pelo contrário, mas ele é uma figura tão importante que se aparecesse mais acabaria puxando a atenção para si. Nos instantes em que temos o privilégio de sua aparição, ele é muito bem representado pelo ator Tom Burke.

Já quem aparece demais é o Louis B. Mayer (Arliss Howard), fundador da MGM. E isso tem um motivo: em certos instantes, o roteiro parece preocupar-se mais com a ambientação do que com a própria história. Os primeiros flashbacks trazem o então prestigiado protagonista vagando pelos bastidores, enquanto construía relações que a história só se preocuparia em apresentar as motivações no final.

Notoriamente, muito da motivação desses passeios por Hollywood está na explícita intenção do filme conquistar o Oscar. E visando agradar um público eleitor, a imersão dos demais espectadores na trama fica comprometida. No intuito de nos transportar aos anos 30, um acerto é o uso do preto e branco, por mais que seja sentida certa artificialidade nisso. Numa homenagem a “Cidadão Kane”, a fotografia capricha no uso de silhuetas distantes, mas peca ao não trazer o foco com total profundidade de campo.

Apesar de ter sido escrito há mais de duas décadas, o roteiro de Jack Fincher aborda um momento de divisão política muito similar ao que os Estados Unidos vivem hoje. Isso porque é longamente abordada uma certa eleição, ao cargo de Governador da Califórnia, na qual a indústria do cinema teve um papel importante na propaganda. Nesse momento, o filme erra ao apresentar Herman Mankiewicz no lado democrata, uma vez que ele era um conservador declarado.

Não é todo dia que se encontra alguém tranquilo, porém disposto a comprar brigas. Hábil em ler o ambiente, mas com a língua solta. Capaz de dizer e mostrar as maiores verdades, só que na forma de um grande roteiro. Por mais que o filme dê algumas escorregadas, o Mank é capaz de manter o interesse do público até o fim.