A mente do Anthony (Anthony Hopkins) sempre lhe ajudou a construir uma vida de sucesso, mas depois de tantos anos atuando como engenheiro, criando duas filhas e morando em um flat pelo qual é apaixonado, sua capacidade de entendimento do mundo parece estar comprometida. Entretanto, o octogenário ainda se vê plenamente autossuficiente, resiste a ideia de ter uma cuidadora e vive discutindo com a filha Anne (Olivia Colman).
Ao desenvolver o roteiro junto com Christopher Hampton, o diretor francês Florian Zeller traz para o cinema uma história já contada por ele no teatro, na peça “Le Père” de 2012. Sua narrativa possui muitos méritos. Um deles é colocar em cena vários padrões de comportamento conhecidos por quem convive com idosos, como por exemplo, o apego a objetos específicos e a repetição de opiniões mencionadas anteriormente.
Interpretando um senhor de mesmo nome e idade, o grande Anthony Hopkins é espetacular ao encenar alguém que vive a desorientação causada por memórias confusas, pelo não reconhecimento de pessoas e por pensamentos paranoicos. Às vezes, em um mesmo instante, o ator entrega a voz segura e uma postura firme, de quem se vê plenamente capaz, junto com o olhar perdido de quem busca situar-se. No final do filme, Hopkins ainda protagoniza uma cena que será lembrada como uma das maiores de sua carreira.
Diante de um pai agressivo ao defender sua independência, mas grato pelos cuidados em instantes de maior lucidez, a filha Anne se vê na frente de um dilema sobre qual a melhor forma de lidar com a situação. Intérprete da personagem, Olivia Colman transmite bem a angústia de uma pessoa que vê a situação piorar mesmo enquanto faz o seu melhor. Ela acerta ainda na alternância entre um tom de voz onde a Anne transmite tranquilidade e outro no qual exerce uma firmeza necessária.
Dois outros atores também se destacam. Mark Gatiss interpreta um personagem que contribui com nossa percepção sobre a condição da mente do protagonista. O ator imprime muito bem a agressividade que aquele homem possui com o senhor de idade. Por sua vez, ao interpretar a cuidadora Laura, Imogen Poots vive uma jovem otimista que crê na simpatia inicial do Anthony. A atriz entrega uma boa reação de espanto quando o idoso exibe seu lado mais hostil.
O roteiro capricha ao exibir a perspectiva do Anthony, nos levando a compreender sua percepção da realidade. Sob seu ponto de vista, ele vê as situações de maneira apropriada e com o bom senso de sempre, enquanto a vida ao seu redor é que parece estar um tanto ilógica. A narrativa só peca ao fazer o avanço de seu quadro de saúde parecer muito rápido, uma vez que passamos a conhecê-lo no meio do processo de agravamento das suas adversidades.
A edição de Yorgos Lamprinos é fundamental na busca de nos colocar no lugar do personagem, pois faz com que a gente se sinta confuso, questione a ordem de acontecimentos, perca a noção da passagem do tempo e fique na dúvida se algo é um fato ou um devaneio. Alternando entre momentos de adversidades e instantes de reflexão dos personagens, a obra encontra um bom ritmo e apresenta uma duração adequada.
Ao acompanhá-lo pela casa, a fotografia também contribui com o intuito de mostrar os fatos sob a ótica do Anthony. Mesmo ao exibir, por exemplo, uma discussão entre a Anne e seu marido, só acompanhamos o fato graças ao protagonista, pois ele está próximo do ambiente onde a desavença ocorre. Enquanto isso, a direção de arte busca apresentar a residência como um lugar onde o idoso pode encontrar tranquilidade. Um reflexo disso é o uso de cores mais frias na cenografia e nos figurinos da Anne.
Em seu primeiro longa-metragem, o diretor alcança de forma irrepreensível o propósito de nos colocar na perspectiva de seu protagonista. Unido a força de diálogos trazidos da peça de teatro, uma edição que fortalece a narrativa e a atuação magistral de Anthony Hopkins, o filme é bem sucedido ao abordar a velhice sem amenidades, evidenciando como essa fase da vida chega de forma implacável.