Despretensiosamente, a astrônoma Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) descobriu um cometa. Enquanto celebrava a descoberta com seus companheiros de trabalho, o colega Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) ficou repentinamente perplexo. Ao fazer alguns cálculos, ele concluiu que o corpo celeste está em direção a Terra, o que extinguiria a vida no planeta. Agora, os dois precisam alertar a humanidade, mas a notícia não será muito bem recebida.
Três anos após lançar “Vice”, filme onde mostra como Dick Cheney aproveitou os atentados de 11 de setembro para favorecer a indústria do petróleo em guerras no Oriente Médio, o diretor Adam McKay volta a nos levar para a Casa Branca. Na nova trama escrita junto com David Sirota, ele agora apresenta uma história fictícia, na qual tudo soa muito consonante com o comportamento do ex-presidente Donald Trump.
Em uma época onde o negacionismo é explicito nas ruas e nos telejornais, “Não Olhe Para Cima” apresenta esse comportamento por meio de três pilares: o político, o midiático e o financeiro. O primeiro é visto especialmente através da presidente Orlean. Vivida por Meryl Streep, a líder do país decide não fazer nada para evitar a catástrofe até o término das eleições legislativas. Preocupada com os interesses de quem financiou sua campanha, ela usa uma retórica populista para alcançar o que for conveniente e preservar seu capital político.
Cientes de que não conseguiriam qualquer ação governamental sem apoio popular, Kate e Randall vão a um programa de TV visando alertar o mundo, mas acabam se deparando com apresentadores que buscam amenizar a notícia. A partir daí, o filme exibe como a indústria do entretenimento consegue pegar qualquer assunto, por mais grave que seja, e transformá-lo em produtos midiáticos, seja através de músicas, filmes ou memes.
E por último, o aspecto financeiro é apresentado de modo muito inteligente, pois a obra mostra como interesses privados são embrulhados para transmitirem leveza e serenidade, além de fazer as pessoas a acreditarem que terão algum benefício. Intérprete de um importante empresário do setor de tecnologia, Mark Rylance entrega aquela que considero a melhor atuação do filme. O ator transmite o tom de voz calmo, a postura controlada e as reações ensaiadas de um personagem que é uma mistura de Mark Zuckerberg, Elon Musk e coaches motivacionais.
Por sua vez, Leonardo DiCaprio nos diverte ao viver um cientista ansioso e despreparado para lidar com a mídia, mas que se transforma à medida que se acostuma com isso. Já Jennifer Lawrence tinha como principal missão expor o inconformismo de sua personagem com o surreal descaso de todos perante a circunstância. Ela cumpre isso, não somente na cena em que demonstra raiva na TV, mas ao expressar certo cansaço com toda a situação.
Como sempre, Meryl Streep é extraordinária. Às vezes sem sequer precisar falar, ela transmite perfeitamente o espírito dissimulado da presidente que só pensa na eleição seguinte, mas precisa fingir que se importa com o problema para não perder votos. Por sua vez, Cate Blanchett e Timothée Chalamet engrandecem personagens com uma relevância mínima dentro da trama.
Ao satirizar a sociedade atual diante da possibilidade de extinção, o roteiro também acerta ao abordar outros assuntos como racismo, misoginia, nepotismo, além da admissão de gestos preconceituosos vindos de pessoas mais velhas, por serem de “outra geração”. Já ao criar uma subtrama na qual o Randall se relaciona com uma apresentadora de TV, a narrativa gasta tempo com algo que acrescenta muito pouco a história.
Além disso, ao apresentar um problema de dimensões globais, o filme peca ao restringir sua história a visão americana da situação. Seria ótimo, por exemplo, ver a personagem da Meryl Streep diante de outros líderes em uma reunião da ONU. Porém, no geral, o roteiro acerta principalmente por saber transpor os comportamentos que vemos no dia a dia para um cenário pré-apocalíptico. Assim, até mesmo os maiores absurdos parecem assustadoramente plausíveis.
Especialmente para quem é mais atento a fatos do mundo político, o roteiro pode parecer exageradamente didático, mas isso era necessário para que a obra pudesse passar sua mensagem a quem desejava alcançar. Em um mundo onde muitos preferem crer no que convém, mesmo que a verdade esteja escancarada diante de seus olhos, o cinema cumpre um de seus papéis sociais ao provocar reflexão. E dessa vez, ainda faz isso de forma divertida. Esse pode não ser o filme de final de ano que as pessoas estão acostumadas, mas certamente é aquele que elas precisam.