Não são grandiosas as pretensões de Ruby Rossi (Emilia Jones) para o próprio futuro. Em seu último ano de colégio, ela não sonha em entrar na faculdade por saber dos custos elevados. Além disso, a jovem entende que precisa se manter perto da família, na qual ela é a única pessoa que não é surda. Entretanto, ao ter seu talento como cantora descoberto por um professor, a moça se vê dividida entre a chance de ter uma vida diferente e a responsabilidade que tem perante aos pais.

Quando os americanos inventam de adaptar um filme estrangeiro, quase sempre isso parece ser fruto do hábito de não assistirem a obras legendadas. Entretanto, dessa vez com “A Família Bélier” (2014) não é o caso. Ao tirar a protagonista de uma fazenda no interior da França e situá-la em uma região próxima de Boston, onde o pai e o irmão dela contam com sua ajuda para desempenharem a atividade pesqueira, a diretora e roteirista Sian Heder (Tallulah) faz uma ótima adequação das premissas da história ao local onde ela se passa.

Em seu idioma original, “No Ritmo do Coração” é intitulado como “CODA”, sigla que significa “Child Of Deaf Adults” (Filho de Adultos Surdos, em uma tradução livre). Honestamente, ainda que possa parecer meio genérico, o título escolhido no Brasil expressa melhor o que é esse filme. Afinal, o fato dela ter pais surdos é uma circunstância bem estabelecida em sua vida. E ainda que isso seja motivo de chacotas na escola, a jovem encara essa situação com a naturalidade de quem vive essa realidade desde quando nasceu.

O que há de novo na vida dela é cantar diante dos demais. E a partir daí, o roteiro vai inserindo vários obstáculos que a moça precisa superar. O primeiro é a timidez de alguém que cresceu sendo caçoada e agora teme ser julgada. Depois vêm a missão de cantar com um jovem por quem ela está interessada, a necessidade de conciliar os ensaios e o trabalho com a família, dentre outras questões que vão se apresentando. Mas, sabe porque o título brasileiro é melhor que o original? Por entender qual é o principal desafio da protagonista: conseguir fazer seus pais compreenderem que ela verdadeiramente possui um talento musical.

Ao viver a Ruby, Emilia Jones entende que sua personagem é multifacetada. E assim, ela entrega bem tanto o lado tímido, como também a postura incisiva que a jovem tem quando acredita ser necessário. Nos momentos em que canta, a atriz faz jus ao fato de a protagonista destacar-se dentre os colegas com seu talento vocal. Além disso, a intérprete apresenta emoção genuína nas cenas que requerem isso.

Um grande acerto do filme está na forma como a família de Ruby é representada, pois a surdez não é aquilo que os define, mas apenas uma característica com a qual eles convivem. Desse modo, a relação entre a protagonista e os parentes é marcada principalmente por questões que qualquer família poderia viver, como instantes de vergonha que os pais fazem a filha passar, o desejo de que eles aceitem o talento dela, além de sua relação com o irmão mais velho.

A cada um dos familiares, o roteiro reserva ao menos um momento de diálogo intenso com a protagonista. Dentre os atores que os interpretam, Troy Kotsur se destaca por ir além das cenas divertidas e transmitir a essência do Frank, especialmente em um instante onde a Ruby e seu pai estão sentados na caçamba de uma picape. Também vale mencionar a atuação de Eugenio Derbez. Ao viver o professor Bernardo Villalobos, ele expressa com autenticidade o entusiasmo do músico em suas aulas.

Ainda que saiba inserir e desenvolver as dificuldades enfrentadas pela Ruby, o filme acaba sendo um pouco previsível, mas entrega grandes momentos com simplicidade. Inclusive, não é por acaso que “No Ritmo do Coração” alcançou uma indicação ao Oscar. Nessa época de incertezas, não deixa de ser reconfortante ver uma obra que sabe lhe dizer que de algum modo as coisas vão se acertar.