Sentado no banco de trás de um fusca azul, Mauro (Michel Joelsas) partiu de Belo Horizonte junto com os pais que estavam saindo de férias. Deixado por eles na frente do prédio do avô com quem ficaria por uns dias, o garoto não encontrou ninguém no apartamento, uma vez que o homem havia falecido horas antes. Sem qualquer contato com o pai e a mãe, que prometeram retornar apenas durante a Copa do Mundo de 70, o menino se vê sem nenhum familiar, numa cidade estranha e rodeado por pessoas de uma religião até então desconhecida por ele.
Lançado em 2006, “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” nos apresenta um conturbado momento da história do Brasil através da perspectiva de uma criança. Enquanto se preocupava com a escalação de Tostão e Pelé, a figurinha de Everaldo e seu futebol de botão, Mauro não notava que as férias dos pais na verdade era uma fuga da perseguição política na ditadura militar.
Dirigido por Cao Hamburger, que também escreveu o roteiro com Claudio Galperin, Bráulio Mantovani e Anna Muylaert, o longa-metragem de 110 minutos nos transporta para um Brasil do qual sentimos, ao mesmo tempo, nostalgia e aversão. Os olhos do menino enxergam tanto a animação daqueles que se reuniam para ver uma Seleção Brasileira histórica, quanto a opressão vivida por jovens cujo pensamento distinguia-se do desejo dos poderosos.
Ao mesmo tempo que a nação vivia dias intensos, o garoto estava em uma situação inconveniente. Alojado na casa de um idoso judeu, que mal falava português e comia peixe no café da manhã, ele não ingere nada enquanto se nutre da esperança de que os pais iriam ligar.
O roteiro é muito coerente com o comportamento de uma criança. Quando a fome aperta, Mauro tenta cozinhar mesmo sem nunca ter feito isso antes. Ao desejar reconectar-se com quem teve uma desavença, leva as cartas do vizinho até o apartamento dele, onde deixa as correspondências abaixo da porta, aperta a campainha e saí correndo. Tímido e desconfortável em depender dos outros, conquista a vizinhança que se compadece dele.
Assim, aos poucos, a narrativa literalmente abre portas para o protagonista, lhe inserindo em várias casas e o levando para fora do prédio, onde cria vínculos com outras pessoas. Nesse momento, ainda que os pais sigam fazendo falta e o garoto sinta-se abandonado, o roteiro dá uma escorregada por manter a situação muito sobre o controle de Mauro. Por mais legal que seja ver as novas vivências dele, a trama fica pouco envolvente. Um fato relacionado ao momento político do país poderia ter sido antecipado na história, melhorando a alternância entre tensão e calmaria.
Estreando no cinema aos 10 anos de idade, o ator Michel Joelsas apresenta ao público a naturalidade requerida por seu personagem, demonstrando interesse genuíno em brincadeiras e curiosidades de uma outra geração, além de um sentimento de desamparo com diferentes graus de intensidade. Destaca-se também o ator Germano Haiut, no papel do judeu Shlomo. Ele foi brilhante ao representar um senhor que ao mesmo tempo é solidário e tem dificuldade em conviver com menino, por ele desarranjar a sua vida tranquila e de hábitos corriqueiros.
A ambientação daquela época é muito bem feita. Imagino que quem viveu aquele período, ao assistir ao filme, possua muitas lembranças vindo a mente, tendo em vista o alto nível de detalhes em objetos de época, cenários, figurinos, carros e a trilha sonora. Mas além do que é visto ou escutado, também somos imersos no que era sentido na época.
Alegria e medo conviviam juntas durante aquela Copa do Mundo. O AI-5 vigorava ao mesmo tempo em que Jairzinho marcava gols a cada jogo. Quem era engajado politicamente questionava se torcer pela Seleção Brasileira era bom para o país. Até os craques entrarem em campo para apresentarem um Brasil do qual era possível se orgulhar e impossível não torcer. Inserido nesse contexto, até mesmo um menino encantado com o futebol sentia que havia muito mais em jogo.