Cameron Turner (Mahershala Ali) sabe que não possui muito tempo de vida. Pai de um garoto de oito anos e marido de uma esposa grávida, ele possui uma oportunidade de não deixar os familiares sofrerem com sua perda. No futuro em que ele vive, uma nova tecnologia permite a criação de uma cópia exata de um indivíduo, não apenas na aparência, mas também preservando a memória e sua personalidade. Agora, ele precisa decidir se aceita ser substituído sem que sua família jamais saiba.

Autor de “Stutterer”, curta vencedor do Oscar em 2016, Benjamin Cleary faz nesse novo filme a sua estreia como diretor e roteirista de um longa-metragem. Ainda que a clonagem não seja um tema novo, a maneira como esse assunto é apresentado em “O Canto do Cisne” é bastante original. Conforme é mencionado na própria narrativa, a troca é uma espécie de transplante, só que não de um órgão específico, mas de todo o corpo.

E quando essa ideia é apresentada, se torna inevitável não se distrair por um instante e pensar nas implicações de um mundo onde é possível transferir sua consciência para um outro corpo. Por um lado, isso poderia ser útil para pessoas em estado terminal, além de outras condições como coma ou alguma deficiência. Porém, isso também poderia ser usado por quem não deseja envelhecer ou não aceita a própria aparência. Não faltariam discussões éticas e jurídicas a cerca dessa possibilidade.

Do ponto de vista do Cameron, a questão é ainda mais complicada. Ele já está lidando praticamente sozinho com a certeza da morte. Tomar essa decisão lhe gera um conflito enorme. Ainda que a cópia fique perfeita conforme prometido e ninguém jamais perceba, ele sabe que se trata de um outro corpo. Por mais idêntico que seja, não é exatamente ele.

Até mesmo para nós, meros espectadores que não estamos tomando essa decisão, esse é um dilema difícil de se lidar. Se pensarmos em um ente querido nosso sendo substituído, isso parece absurdo e até desrespeitoso com quem foi aquela pessoa. Por outro lado, o protagonista conhece sua esposa e como a perda lhe traria um sofrimento imensurável. E ele também não quer que seus filhos cresçam sem um pai.

Esse conflito interno é muito bem desenvolvido, pois mesmo quando a cópia é ativada, ele ainda possui o poder de mudar de ideia caso deseje. Um dos poucos pontos falhos da narrativa é sugerir que o Cameron pode morrer repentinamente a qualquer instante. Isso é um problema porque há momentos do filme que deveriam ser leves e acabam tornando-se angustiantes, pois você não sabe se ele não vai ter uma convulsão na pior hora possível.

Vencedor de duas estatuetas do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, essa é a primeira vez que Mahershala Ali (Moonlight: Sob a Luz do Luar) atua oficialmente em um papel considerado o principal. Nesse filme, ele possui uma missão difícil: interpretar dois homens iguais, mas que estão em momentos muito distintos. O Cameron está triste, angustiado e com raiva em alguns instantes.

Por sua vez, a cópia apelidada de Jack surge para a vida trazendo consigo a personalidade e as experiências de outra pessoa, o que lhe leva a precisar assimilar isso e saber lidar com o Cameron original. Em sua interpretação, Mahershala Ali consegue perfeitamente fazer uma distinção emocional entre um e outro, mas sem perder as características comuns entre eles.

Vale mencionar a participação de Glenn Close (Atração Fatal) no papel da Dra. Jo Scott, responsável por todo o processo de transferência da memória de Cameron pro Jack. Em sua interpretação, ela mostra com o olhar a paixão de sua personagem por esse trabalho, além de apresentar uma postura séria e por vezes dura. Destaco ainda Naomie Harris (Moonlight: Sob a Luz do Luar). Ao viver a Poppy, esposa do protagonista, ela transmite aquilo que sua personagem precisava mostrar: a paixão pelo Cameron e o sofrimento que terá caso o perca.

A montagem do filme contribui bastante com a narrativa, pois o acesso as memórias do Cameron são cruciais para avaliar o bom funcionamento de seu clone. Já a ambientação abusa demais da tecnologia, ao ponto dessa produção da Apple parecer em alguns instantes uma peça publicitária de futuros produtos da marca.

Por mais que a ficção-científica seja um ponto crucial da narrativa, nada aqui é mais importante que a humanidade do protagonista. Essa não é uma trama sobre uma consciência trocando de corpo, mas sobre a transição de um homem entre não aceitar e acostumar-se com a certeza da morte, independente de qual seja sua decisão final. E ainda que pareça um tanto deslocado do assunto do filme, o título “O Canto do Cisne” faz jus a história, pois baseia-se na lenda de que essas aves deixam de ser mudas e cantam uma bela canção no fim da vida.