Em silêncio, Cecilia (Elisabeth Moss) busca fugir de uma belíssima casa onde vive com seu marido, Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen). Ela busca escapar de um relacionamento abusivo e de fato consegue se esconder do alcance dele. Alguns dias depois da fuga e ainda muito traumatizada, a moça recebe a informação de que ele havia cometido suicídio. Entretanto, a tranquilidade dura pouco, pois de alguma maneira Adrian retorna e passa a assombrá-la até mesmo enquanto ela dorme, buscando a desestabilizar emocionalmente e comprometer suas relações sociais.
Enquanto o personagem faz isso, o filme causa uma desagradável sensação de impotência em seus espectadores. Isso porque ao invés nos pôr em dúvida sobre a Clarice estar tendo alucinações, logo nos é mostrado que ela está sim sendo perseguida, restando apenas duas possibilidades: o retorno sobrenatural de um falecido ou uma morte forjada com uma invisibilidade alcançada através de alguma tecnologia desconhecida. E assim passamos um longo período assistindo uma personagem sendo incorretamente percebida como insana, toda vez que o ser oculto age no sentido de deixá-la encrencada.
“O Homem Invisível” é uma versão contemporânea da história contada no livro lançado em 1897 por H.G. Wells e no clássico filme de 1933. Ao contrário das outras duas obras, não foca no homem invisível, mas nas implicações de suas terríveis ações na vida de sua esposa. Leigh Whannell, diretor e roteirista do filme, estabelece um clima de tensão permanente. Mesmo quando Cecilia recebe a notícia da morte de Adrian, a aparente normalidade torna-se desconfortável pois nós sabemos o que está por vir.
Ou melhor, achamos que sabemos. Quem de início pensa que o conflito entre Cecilia e Adrian será restringido a embates físicos, fugas desesperadas e sustos com as aparições do homem invisível, se surpreende com o nível de vilania apresentado. Isso porque há um forte conflito psicológico entre a crença da Cecilia, convicta de estar novamente sendo vítima de um abusador, contra os traumas causados pelos abandonos, ameaças, chantagens e acusações as quais ela é submetida.
Encarnando a traumatizada Cecilia com sua voz de desespero, olhar de incredulidade, além de movimentos variam entre medo, desespero e instinto de sobrevivência está a brilhante Elizabeth Moss. Ao contrário de sua personagem na série “O Conto da Aia” (The Handmaid’s Tale), quando protagoniza uma mulher que ao mesmo tempo é vítima, mas possui um ímpeto de se impor, aqui ela vivencia uma mulher abalada pelas circunstâncias que na maior parte do tempo reage não por coragem, mas por desespero.
A atuação da atriz constrói o laço de empatia que o espectador sente por Cecilia, sendo decisiva no alcance do objetivo do filme de lhe fazer sentir-se na pele da personagem. Assim, ainda que agoniante, o filme aguça sua curiosidade e lhe prende com o intuito de saber o que acontecerá com Cecilia. Destaco ainda a atuação de Elizabeth Moss em cenas de luta contra o homem invisível, nas quais ela torna muito crível a presença de um corpo oculto buscando lhe agredir.
Já a fotografia deixou a desejar. Uma vez que a protagonista lidava com um ser invisível, acompanhamos ela buscando por todos os lados encontrar o sujeito misterioso. Entretanto, o filme desperdiça a oportunidade de em algum momento nos apresentar a procura dela sob o ponto de vista dele, o que contribuiria na busca da obra de vermos a personagem sendo reiteradamente inferiorizada. Já a trilha sonora, composta por Benjamin Wallfisch, consegue imergir-se mais na proposta do longa, acrescentando tensão e até mesmo agonia quando a cena pede por isso.
Quem curte filmes de terror encontra aqui uma obra dramaticamente superior a maioria. Entretanto, esse não é um filme que será lembrado como um dos melhores do gênero. Ele até acerta ao nos aguçar um sentimento de justiça e o medo de que a personagem venha a ser condenada a viver permanentemente nessa condição de impotência e descrédito. Tem uma boa metáfora de que a voz das mulheres é sempre negligenciada enquanto ações negativas dos homens permanecem invisíveis. Mas peca em buscar demasiadamente incomodar o espectador. Filmes podem ser desconfortáveis, mas precisam de uma boa razão para isso.