Atenção: esse texto possui spoilers.
Aposentar-se da função de caçador de recompensas não significa tranquilidade na vida do Boba Fett (Temuera Morrison). Afinal, agora sentado no trono outrora pertencente ao Jabba the Hutt, ele precisará enfrentar aqueles que desafiam seu poder recém-adquirido. Sem esquecer de como foi difícil chegar até ali, o novo Daimyo de Mos Espa deseja liderar por meio do diálogo, mas certos confrontos simplesmente são inevitáveis.
Em 1983, ao assistir “Star Wars: Episódio VI – O Retorno de Jedi”, quem poderia imaginar que 39 anos depois seria possível ver uma série sobre aquele personagem que até o George Lucas achou que estava morto? Pois, “O Livro de Boba Fett” já começa esclarecendo como ele conseguiu escapar do Sarlacc, em uma cena que torna plausível essa sobrevivência.
A partir daí, a série se inicia alternando entre o que ocorreu após o protagonista se salvar e sua nova vida como o Daimyo de Mos Espa. Nos flashbacks, a relação entre uma das tribos Tusken e ele é um tanto curiosa, mas ao mesmo tempo bela. Anteriormente apresentado como primitivo e estranho, o Povo da Areia agora é mostrado como um grupo que possui uma cultura com suas próprias regras e princípios. De certa forma, é como se a obra dissesse que há povos que nós até não entendemos, mas que possuem seu valor.
Além disso, o longo período que o protagonista passou junto com eles também serve como uma validação da transformação vivida pelo personagem, de um caçador de recompensas que topava tudo por dinheiro para um sujeito que busca fazer o que é correto. Entretanto, o tempo que a série gasta nessa relação entre o Povo da Areia e ele parece exagerado. Isso porque a história fazia parecer que esse vínculo serviria para ajudar o Boba Fett como Daimyo de Mos Espa, mas tudo acaba abruptamente no ataque contra a tribo.
Ainda que cumpra o que prometeu, ao mostrar o Boba Fett tendo sua posição de poder desafiada e buscando obter respeito na região, a triste realidade é que a série tinha muito pouco para contar em sua trama principal. Com a ajuda dos flashbacks para ocupar boa parte do tempo, a narrativa apresentou aos poucos os obstáculos enfrentados por ele, como um embate com o wookie Krrsantan e a preocupação com o inevitável conflito com o Sindicato Pyke.
Só que chega um momento no qual o personagem simplesmente vira um figurante na série que leva seu próprio nome. O quinto capítulo é basicamente uma ótima parte extra de “The Mandalorian”, no qual se destaca a construção da nova nave do Din Djarin (Pedro Pascal). Posteriormente, há o retorno de ninguém menos que Luke Skywalker na função de mestre do Grogu. O episódio é um presente aos fãs da franquia Star Wars, por fazer o Jedi repetir frases que ouviu do Yoda em seu treinamento. Além disso, o pequeno aprendiz é colocado diante de um ótimo dilema.
No último capítulo, a trama principal retorna e resgata a questão do ataque aos Tusken. Quando é revelada ao Boba Fett a informação de que o Sindicato Pyke era o real responsável pelo massacre, a série indica que haveria ali um encerramento apropriado para a jornada relacionada ao Povo da Areia. Entretanto, o roteiro tira do protagonista a chance de vingar-se do mandante do morticínio, ao terceirizar a missão de matá-lo para a Fennec Shand (Ming-Na Wen). Para além disso, apesar de algumas conveniências, a batalha final é boa e até um pouco divertida.
Por mais adorável que seja o Grogu, as decisões que o envolvem nesse episódio final me parecem equivocadas. Primeiro, ele é enviado (praticamente) sozinho a Tatooine pelo Luke, numa irresponsabilidade que não combina com o Mestre Jedi. Posteriormente, sua presença ali serve para que ele roube a cena no meio da resolução do principal conflito da série. E por fim, a última cena antes dos créditos se encerra com ele, o que novamente reduz a importância dada ao Boba Fett.
Outro ponto um tanto questionável é a decisão de fazer o Boba Fett recorrentemente tirar seu imponente capacete. Principalmente nas cenas onde está diante de um inimigo, como os primos do Jabba the Hutt, o personagem não precisava ficar mostrando o rosto para obter respeito. Já em momentos de diálogos mais calmos e quando o protagonista encontra os corpos do Povo da Areia, o ator Temuera Morrison faz valer a pena o fato de estarmos vendo as reações faciais do personagem.
Um aspecto forte de “O Livro de Boba Fett” é sua riqueza visual. Em instantes como na perseguição da gangue cyberpunk, Mos Espa parece um lugar totalmente verdadeiro. Além disso, outras regiões desérticas de Tatooine são igualmente bem exploradas. Também há bastante esmero nos cenários internos e nos figurinos. Ao apresentar espécies alienígenas, a série também capricha na caracterização desses personagens. Dito isso, nenhum outro aspecto visual supera a convincente aparição do Luke Skywalker jovem, possível graças ao belo trabalho da equipe de CGI.
A primeira temporada se encerra entregando momentos muito bons, mas apequenando o próprio protagonista. Desde seu primeiro filme, Star Wars sempre soube mostrar fatos simultâneos, sem deixar alguma trama de lado. O roteiro falhou ao não diluir os acontecimentos dos episódios cinco e seis ao longo de toda série. Além disso, alguns personagens como o Cad Bane (Corey Burton) e a cyberpunk Drash (Sophie Thatcher) poderiam ter sido melhor explorados.
Uma vez que os conflitos apresentados acabam sendo bem resolvidos, nenhum gancho relacionado ao Boba Fett foi deixado para uma eventual segunda temporada. Caso a série retorne, será necessário desenvolver uma narrativa que não necessite tanto do apoio de flashbacks e de tramas paralelas. Entretanto, a melhor alternativa para um futuro retorno do personagem parece ser por meio de aparições esporádicas, quando Tatooine for cenário de novas histórias.