Em 31 de outubro de 2002, um bairro nobre de São Paulo viveria um crime que chocaria o país. Enquanto dormiam, Manfred e Marísia von Richthofen foram assassinados por Daniel e Cristian Cravinhos, a mando de Suzane, filha mais velha do casal. Na semana seguinte, após as suspeitas da polícia se intensificarem, os três confessariam a atrocidade.

Quase 19 anos após o ocorrido, esse caso ainda repercute. A cada ‘saidinha’ de Suzane da cadeia nos dias das mães e dos pais, o direito dela a esse benefício é noticiado na imprensa e criticado nas redes sociais. Visando reconstituir os fatos que levaram até aquela noite, o diretor Mauricio Eça apresenta essa história em dois filmes. Cada um deles conta os fatos sob uma perspectiva. E já que ele recomendou que o público assistisse primeiro a “O Menino que Matou Meus Pais”, nossa análise também se inicia por essa obra.

Nesse longa-metragem, a narrativa é conduzida pela versão apresentada por Suzane von Richthofen e sua defesa no julgamento em 2006, na qual ela atribui sua participação no crime a uma influência negativa de Daniel Cravinhos em sua vida. A relação dos dois é exibida desde seu início, três anos antes do crime.

Apesar de durar apenas 1h 27min, a história é cansativa, pois se alterna constantemente entre Suzane cedendo a pedidos do namorado e ações de seus pais, inicialmente incomodados com a discrepância social das duas famílias, depois indignados com as mentiras da jovem e por fim incentivando o término da relação dos dois.

Desde antes do lançamento, uma discussão relativa aos filmes foi se eles não serviriam como uma exaltação aos criminosos. Nesse sentido, argumenta-se que obras sobre a trajetória de criminosos como o psicopata Charles Manson e o mafioso Al Capone são comuns em Hollywood, além de serem muito consumidas no Brasil.

Entretanto, de fato é questionável a forma como o Caso Richthofen é apresentado aqui. Ao não opor as duas versões numa única narrativa, basicamente a Suzane ganhou um longa-metragem com sua descrição do caso, ainda que no outro ela seja apresentada como a mentora do crime.

Comercialmente, talvez realmente fosse uma decisão melhor desenvolver os dois filmes, uma vez que a exibição dos longas estava prevista para os cinemas, o que não ocorreu em virtude da Pandemia de COVID-19. Mas, do ponto de vista artístico, unir as duas versões em uma única obra valeria mais a pena. A edição teria a oportunidade de reduzir as repetições mencionadas anteriormente, enquanto o conflito entre os réus seria reforçado e ajudaria a narrativa.

As atuações também seriam valorizadas caso os diferentes pontos de vista fossem contrapostos em um mesmo longa. Porém, isso não diminui o ótimo desempenho de Carla Diaz, por exemplo. Desde a primeira cena, na qual a polícia chega ao local do crime, a atriz te convence inteiramente de ser a Suzane von Richthofen, seja pelo olhar de quem tenta persuadir, a forma como balança a cabeça negativamente ou mesmo pelo tom de voz ao falar no julgamento.

Intérprete do Daniel Cravinhos, Leonardo Bittencourt vai bem ao viver um personagem que nesse filme tem a função de ser um aproveitador intrusivo, mas com ares de apaixonado possessivo. Destaco ainda a ótima atuação de Leonardo Medeiros no papel do Manfred, pois o ator transmite bem a postura séria e por vezes indignada do pai de Suzane.

Continue acompanhando a análise dos filmes na crítica de “A Menina que Matou os Pais”.