Esse texto contém spoilers.
Nada na vida de Obi-Wan Kenobi se assemelha ao que era antes. Anteriormente reconhecido como um poderoso Jedi, ele vive e trabalha anonimamente em Tatooine, onde está escondido do Império Galáctico. Lá, observa de longe o crescimento de Luke Skywalker, filho de seu antigo aprendiz Anakin, agora conhecido como o nefasto Darth Vader. Isolado há dez anos, ele precisará desenterrar seu sabre de luz, pois um antigo amigo requer desesperadamente a sua ajuda.
Os anos de solidão do Obi-Wan sempre foram alvo da curiosidade dos fãs de Star Wars. Em 2013, o autor John Jackson Miller abordou essa fase da vida dele no livro não-canônico “Kenobi”. Porém, se fazia necessária uma história oficial que se situasse nesse período entre o nascimento e o começo do treinamento do Luke, no intuito de mostrar, por exemplo, como o Mestre Jedi conseguiu se manter escondido por tanto tempo, além do Darth Vader no auge de sua vilania.
A missão de retratar esse período sombrio da galáxia coube a diretora Deborah Chow. Já conhecida pelos espectadores por ter comandado dois capítulos de “The Mandalorian”, ela agora dirige todos os seis episódios de “Obi-Wan Kenobi”. Sob seu comando, a série começa bem ao matar a curiosidade de como era a vida do Kenobi em Tatooine, onde ele buscava estar invisível aos olhos do Império. Também é acertadíssima a escolha da motivação para lhe tirar do planeta desértico. De fato, somente a Leia em apuros era uma razão suficientemente emergencial para extraí-lo dali.
Ao trazer essa personagem aos dez anos de idade, a série se preocupa demais em mostrar traços da líder que a Leia iria se tornar, esquecendo-se que ela ainda era uma menina. Uma criança que pela primeira vez se via em perigo não se colocaria em risco como a princesa fez ao tentar fugir do Obi-Wan. No final, a série até tenta justificar essa impulsividade como algo herdado do pai, mas existem situações onde o instinto humano de autoproteção se impõe sob características de nossa personalidade.
Outra ideia que a série busca estabelecer é que o Obi-Wan está fraco. Só que nem o Kenobi vivido pelo Alec Guinness em 1977 estava tão enfraquecido quanto esse, pois o Mestre Jedi chega a parecer ter desaprendido a usar a força, ao ponto de precisar ficar correndo atrás da Leia quando ela tenta fugir. Esse exagero no declínio do personagem compromete aquele que deveria ser um momento impecável: o primeiro duelo contra o Darth Vader.
A princípio esse embate parecia muito bom, mas o desfecho dele é péssimo, pois o Obi-Wan deveria ter forças para escapar sozinho. Ao invés disso, a série faz uma escolha contraditória ao mostrar o poderoso Darth Vader assistindo ao robô NED-B carregando o Kenobi embora. O vilão poderia simplesmente ter segurado o Mestre Jedi ali no fogo, assim como fez com aquela nave que parecia fugir no quinto episódio. Apesar disso, a luta que antecede a fuga é marcante, especialmente pelo Vader dizendo “eu sou aquilo que você me tornou”.
Soma-se a essas decisões questionáveis a escolha por fazer o Kenobi ser rastreado. Além de ser uma reciclagem de uma solução narrativa de quatro décadas atrás, isso ainda é mal feito. Em “Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca” (1980), o rastreador estava escondido na Millennium Falcon, não havia como detectá-lo. Dessa vez, o aparelho estava no pequeno robô da Leia. Achar que o sábio protagonista não inspecionaria o aparelho, no intuito de assegurar que não estavam sendo seguidos, simplesmente é subestimá-lo demais.
Também causa estranhamento a cena em que o Obi-Wan tenta ganhar tempo, ao conversar com a Terceira Irmã, mas as pessoas não aproveitam para fugir. Por falar nessa personagem, bem interpretada pela atriz Moses Ingram, acredito que essa vilã é um dos principais acertos da série. Sua busca obsessiva pelo Jedi possui uma boa motivação. Além disso, a subtrama da desavença entre os inquisidores é interessante. Só não faz sentido o Grande Inquisidor e ela terem sobrevivido, uma vez que foram perfurados por sabres de luz.
No final, a Terceira Irmã possui uma redenção que não chega a ser surpreendente, mas que é coerente com sua trajetória de vida. Também há a segunda luta entre Vader e Kenobi, naquele que talvez seja o momento mais memorável da série, pois assistimos a um enfrentamento onde ambos possuem altos e baixos, no qual encontramos bons diálogos, uma ótima trilha sonora, uma boa coreografia e uma iluminação que transmite o quão sombrio era aquele instante. Porém, assim como no primeiro embate, a solução para o desfecho não é boa, uma vez que o Obi-Wan não voltaria a cometer o erro de deixar o Vader sair vivo.
De volta ao personagem que interpretou pela última vez em 2005, Ewan McGregor apresenta um Obi-Wan que estava resignado, sem qualquer perspectiva promissora de derrotar o Império, mas que gradualmente vai retomando a postura sagaz que fez dele um Mestre Jedi. Aparecendo em obras audiovisuais desde 2017, Vivien Lyra Blair se sai bem ao viver a versão infantil da Leia, sempre sabendo apresentar a personalidade da Princesa de Alderaan na medida que o roteiro lhe requer.
A montagem se destaca em dois momentos. O primeiro instante é logo no começo, ao apresentar um breve e eficiente resumo dos três filmes lançados em 1999, 2002 e 2005. Posteriormente, no episódio cinco, um flashback do Obi-Wan treinando o Anakin é muito bem fracionado e tem trechos inseridos ao longo dos acontecimentos daquele capítulo. Ainda falando desse retorno ao passado, também vale pontuar que o rejuvenescimento digital do ator Hayden Christensen deixou a desejar.
Quando a série chega ao fim, a sensação que fica é de que houve uma chegada digna, mas numa caminhada cheia de tropeços evitáveis. Ainda que a história recente de Star Wars possua algumas boas produções como “Rogue One”, “The Mandalorian” e até “Star Wars: Visions”, no geral há uma sensação de falta de cuidado. Em séries como “O Livro de Boba Fett” até se aceita mais do mesmo. Porém, quando se lida com um personagem tão marcante, não se espera nada menos que grandeza e coerência, o que infelizmente falta em vários instantes de “Obi-Wan Kenobi”.