Enquanto era proibida de entrar na igreja onde a mãe tocava piano, os olhos de uma menina viam com fascínio a pregação do pastor através da janela. Alguns anos depois, o interesse da infância virou a profissão de Tammy Faye (Jessica Chastain). Junto com o marido Jim Bakker (Andrew Garfield), ela começou seu trabalho de “ganhar almas para Jesus” de maneira humilde. Entretanto, após conseguirem um espaço num canal religioso, os dois logo passaram a construir um império com ambições infindáveis.

Desde o início, quando exibe imagens reais de noticiários onde é relatado um escândalo envolvendo o casal, “Os Olhos de Tammy Faye” não esconde do público que é uma história de ascensão e queda. E assim, o diretor Michael Showalter e a roteirista Abe Sylvia combinam com o público que essa não é uma trama sobre o que vai acontecer, mas a respeito de como Jim e Tammy enriqueceram com a fé alheia.

Até aqui, um leitor que ainda não viu o filme deve imaginar que os dois sempre estavam de acordo. No começo da relação até que sim, pois até mesmo as citações bíblicas utilizadas como argumento combinavam. Porém, depois de um tempo, os desejos começam a mudar. Jim Bakker passa a estar cada vez mais interessado nos ganhos financeiros que a visibilidade na mídia lhe trazia, o que leva Tammy a sentir cada vez mais falta do marido.

Sabiamente, o roteiro desenvolve esses dois personagens por meio da ênfase nas diferenças entre Jim e Tammy. Pouco a pouco, vai ficando cada vez mais claro que o que pauta qualquer decisão dele são os negócios, enquanto ela almeja harmonia nas relações, tanto em sua vida, quanto na sociedade. Um exemplo disso é a defesa que Faye fazia para que os gays também fossem vistos como filhos de Deus, enquanto o marido rechaçava essa ideia para ser aceito pela maioria dos religiosos.

O filme apresenta de forma interessante a maneira como a protagonista lida com a religiosidade. De forma passiva, ela se beneficia dos luxos obtidos com o dinheiro das doações dos fiéis. Ao mesmo tempo, demonstra ter uma crença verdadeira em Deus, especialmente ao orar em momentos nos quais está sozinha. A obra também capricha ao mostrar uma fé muito baseada em conveniências, por meio de frases como “Deus me revelou que ele quer que eu tenha …”.

Em uma atuação que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz, Jessica Chastain vive a televangelista no período entre 1960 e 1994. Ao interpretá-la, ela soube não apenas assimilar quem foi a personagem e transmitir isso em cena, mas também mostrar as mudanças de postura ao longo dos anos e entender o que aquela mulher tinha enraizado em sua essência, como suas demonstrações de afeto e o amor pela música.

Se os acertos e as falhas de Tammy Faye não poderiam ter sido melhor explicitadas pela atriz, não é possível dizer o mesmo da interpretação de Andrew Garfield. Ainda que ele se saia bem ao encenar as pregações de Jim Bakker, o amadurecimento do personagem não é convincente. Simplesmente é como se os anos não tivessem passado, mesmo que algumas marcas do tempo sejam visíveis em seu rosto.

Ainda que “Os Olhos de Tammy Faye” apresente bem quem foi a protagonista e seu marido, a obra é previsível, se repete em alguns instantes e surpreende pouco. Seus destaques são a ótima ambientação nas diferentes fases da história, os figurinos que refletem bem a melhoria da condição de vida dos personagens e principalmente a memorável atuação de Jessica Chastain.