Depois de tantos anos atuando como diretor de documentários, Craig Foster se vê esgotado diante de sua atividade profissional. Precisando se reconectar consigo mesmo, ele decide voltar a mergulhar no local outrora conhecido como Cabo das Tormentas, na África do Sul. Algum tempo depois, já sentindo-se melhor, ele torna a pegar sua câmera, mas agora para fazer imagens subaquáticas. Até que encontra um polvo fêmea e constrói uma amizade que lhe transforma.

Quem lê essa premissa pode pensar que definir como amizade a relação entre um polvo e um ser-humano deve ser um exagero. Entretanto, pouco a pouco o documentário mostra que isso é possível, num vínculo que se inicia com certa desconfiança, mas posteriormente gera momentos de conexão verdadeira, como quando o mergulhador emerge a superfície e o polvo sobe junto.

O filme consegue acompanhar bem o começo dessa relação, iniciada quando o Craig viu que algum animal marinho estava totalmente coberto por conchas, por uma razão até então desconhecida. Quando o polvo se livra daquilo e retorna a sua toca, o humano lhe segue de perto. Por sua vez, o molusco fica curioso, mas não se expõe aquilo que pode ser um risco. Então o mergulhador tem a ideia de passar a ir ali todos os dias, no intuito de ver o que acontece.

Quando o bicho passa a confiar nele e permitir sua companhia, a missão do filme sutilmente passa a ser outra: acompanhar como esse vínculo afeta os dois. De um lado há um homem que passa a viver intensamente a observação do comportamento do animal, além de se ver em dilemas relativos interferir na natureza. Da parte do polvo existe a incerteza sobre o que o convívio com aquele estranho ser — que nós conhecemos como humano — pode ocasionar.

Há uma alternância entre as cenas da vida marinha e o depoimento do Craig, no qual ele relata cada momento dessa longa experiência. Quando saímos de sua casa e voltamos para o mar, sua voz continua nos acompanhar, narrando não apenas aquilo que se passa diante dos nossos olhos, mas também aquilo que ele sentia.

Não o seguir apenas nos mergulhos é um acerto, dentre outros motivos, por mostrar as pesquisas que ele realiza em sua residência, uma vez que elas nos ajudam a entender o que se passa na água. Inclusive, é bastante interessante ver aquele homem, sem qualquer formação de biólogo, se abastecer de informações cruciais para que ele saiba as repercussões de certos acontecimentos.

Ainda que grande parte das imagens subaquáticas sejam captadas pelas lentes do Craig, ele não mergulhou sozinho. Muitas cenas também foram gravadas por Dave Aenmey e pela diretora Pippa Ehrlich, o que nos permite ver a interação do polvo com o Craig não apenas do ponto de vista dele, mas também da perspectiva de observadores externos.

A fotografia caminha de mãos dadas com a edição para que o relato seja bem contado. Imagens captadas em momentos distintos são montadas de um modo que lhes ressignifica e cria unidade narrativa. Um exemplo disso são os takes do Craig olhando para algo que não é necessariamente o polvo, mas passa a ser quando a imagem anterior é a do animal.

Soma-se a isso a ótima trilha sonora, pois ela aplica bem um clima de tranquilidade da vida marinha, acertadamente quebrado quando se faz necessário, como para trazer tensão na hora que o polvo está ameaçado por predadores. Um desses momentos é tão bem captado e editado que traz uma ansiedade digna de perseguições em filmes de ação.

Além das lindas cenas subaquáticas, vale destacar as imagens aéreas e os takes que captam o mergulhador em direção ao mar, exibidos a cada novo dia de imersão e sempre impressionando pelas belezas do lugar. Deste modo, a obra não exibe apenas como o contato com a natureza beneficiou o Craig Foster, pois encanta o espectador com uma relação inusitada e verdadeira, nos incentivando a também mantermos uma conexão com o meio ambiente.