Ninguém espera muito da primeira manhã do ano. Principalmente depois acordar com a ressaca de uma noite de réveillon romanticamente fracassada. Mas no caso de Tim (Domhnall Gleeson) a expectativa de monotonia não se confirmou. Seu pai (Bill Nighy) lhe contaria naquele dia uma informação que mudaria sua história: Tim e os demais homens de sua família podem viajar no tempo. Não são capazes de ir para os dias que ainda não vivenciaram, mas qualquer data no passado deles pode ser acessada. Basta ir até um lugar escuro, fechar as mãos e os olhos, pensar no momento que quer reviver e prontamente estará lá.

Um filme com essa premissa claramente trata-se de uma fantasia, mas pode desenvolver-se caminhando por vários outros gêneros. Depois de dirigir “Simplesmente Amor” (2004) e “Os Piratas do Rock” (2009), além de roteirizar esses e outros sucessos, Richard Curtis voltou ocupar essas duas funções em “Questão de Tempo” trazendo consigo os gêneros que lhe consagraram: a comédia, o drama e o romance.

Através de tentativas de uma relação amorosa com Charlotte (Margot Robbie), Tim vai aprendendo a usar seu novo dom. Seus sucessivos esforços de consertar as coisas para ficar com ela lembram o clássico “Feitiço do Tempo” (1993). Assim como os amigos Rory (Joshua McGuire) e Harry (Tom Hollander), a personagem traz comicidade a história.

Mas Charlotte é um capitulo curto na vida de Tim. A história dele é com Mary (Rachel McAdams), uma moça que o rapaz conhece num encontro às escuras. Acompanhando ele há alguns minutos e a vendo pela primeira vez, nós logo concluímos que eles formavam um casal que combinava muito. Mas vale lembrar, essa história não se resume a fantasia, comédia e romance.

Sabe aquela frase na qual Stan Lee afirma que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”? É através desse conceito que o drama entra na história. A habilidade de voltar no tempo traz ao Tim, que é um bom rapaz, a percepção de que ele é responsável por evitar o fracasso de pessoas queridas. E agindo nesse sentido se constroem alguns dos problemas enfrentados por ele.

Então o filme começa a dar alguns tropeços. A lógica de que o Tim pode voltar para qualquer momento que tenha vivenciado é mal utilizada. Mesmo diante do fato de que ele não pode retornar para momentos que foram apagados pelo efeito borboleta causado por outra ação, você consegue ver claramente caminhos mais simples que o personagem poderia ter tomado, para assim reconstruir um instante que ele se arrepende de ter extinto acidentalmente.

Além disso, há uma informação crucial sobre a vida como viajante no tempo que o roteiro, de maneira muito conveniente, faz com que o pai de Tim se esqueça de ensinar. Ele só conta o fato quando o filho vai consultá-lo já em apuros. O que por si só cria uma incoerência na história, pois aquele senhor poderia ter voltado até o momento da revelação e acrescentado essa informação, evitando a situação vivenciada pelo rapaz.

Acertadamente o Tim têm bons e maus usos das viagens temporais. É divertida sua relação com seu dom ao vivenciar gafes e tentar corrigi-las, ou mesmo aproveitando-se da possibilidade de melhorar um bom momento. Em outros instantes, ele irrita ao não deixar a vida rolar, por usar o recurso como primeira alternativa para resolver um problema mundano e por ser um tanto intempestivo agindo como se não soubesse do efeito borboleta.

Se o filme possui altos e baixos em seu desenvolvimento, ao alcançar o final ele cresce e atinge seu auge. Coloca seu protagonista diante de um dilema verdadeiro e de um clímax comovente em que a fotografia brilha, primeiro nos aproximando dos personagens quando queremos abraçá-los, depois se distanciando quando vê-los de longe nos faz apreciar mais o momento, que dificilmente será esquecido e culmina numa bela mensagem final. Tudo isso ao som de uma trilha sonora cativante e que acrescenta bastante ao filme.

Domhnall Gleeson e Rachel McAdams criam juntos uma ótima química entre seus personagens ao desenvolver entre eles um clima de afeto e lealdade. E as boas atuações não se restringem ao casal protagonista. Bill Nighy executa bem o domínio que seu personagem tem sobre o tempo. É uma experiência interessante acompanhar as cenas em que ele aparece tendo isso em mente. Destaco ainda a estreia da australiana Margot Robbie em um filme internacional. Ainda que sua personagem não exigisse muito, ela já demonstrava sinais de que viria a ser uma grande atriz.

Não são poucos os filmes que discutem nossa relação com o tempo e o que faríamos se tivéssemos a possibilidade de manipulá-lo de alguma forma. E como alguns deles, “Questão de Tempo” vai além e nos provoca sobre como essa oportunidade mexeria com nossas cabeças e nos faria ver a vida. Mas faz isso tocando o coração em um ponto que poucos conseguem alcançar.