Quando Neil Armstrong pousou na Lua, não encontrou nada além de um grande vazio. Entretanto, naquele mesmo dia 20 de julho de 1969, havia um lugar completamente lotado: o Festival Cultural do Harlem, em Nova York. E isso não foi só naquele domingo, mas em vários finais de semana daquele verão. Entretanto, apesar das apresentações marcantes de grandes nomes da black music, o evento raramente é lembrado.

Por quase 50 anos, as imagens históricas daqueles dias ficaram no porão de Hal Tulchin. Durante todo o festival, ele captou as apresentações no intuito de vender o material para alguma emissora de TV. Entretanto, nenhuma se interessou em exibir shows feitos por artistas negros para um público de uma região pobre da cidade. Aos 90 anos, Hal Tulchin faleceu em 2017, mas as fitas seguiam preservadas com cerca de 40 horas de material inédito.

Ao ter acesso a esse conteúdo, o produtor musical, percussionista e multi-instrumentista Questlove, da banda The Roots (aquela do programa do Jimmy Fallon), viu ali um acervo que precisava finalmente obter a notoriedade que merecia. Mesmo até então tendo coordenado apenas dois videoclipes, ele aceitou o desafio de dirigir esse documentário.

Em sua estreia, Questlove fez um ótimo trabalho, dentre outras coisas, por entender que não bastava fazer uma boa curadoria e mostrar apenas os melhores momentos das apresentações. Era preciso apresentar uma narrativa onde os shows tivessem destaque, mas não fossem o único ingrediente. Inicialmente, ele mostra a história do próprio festival citando aspectos de sua organização, como o fato da segurança ter sido feita pelos Panteras Negras.

À medida que vai inserindo os diferentes artistas que se apresentaram durante o evento, o documentário também conta o que eles representavam naquele período. Um deles é Stevie Wonder. Aos 19 anos, mas com um repertório que já trazia canções lembradas até hoje, ele aparece não apenas com um grande talento vocal, performático e como instrumentista, mas também como alguém que já começava se manifestar em causas que visavam a melhoria da vida da população negra.

Outra pessoa cujo impacto é mostrado de forma significativa é a lendária Nina Simone, artista que expressava em suas canções as dores de uma comunidade para qual o país reservava tudo de pior, mas também motivava esse mesmo povo ao cantar “tem um mundo esperando por você”. Por meio da história de uma mulher que teve sua vida tocada pela arte dela, o filme mostra como a cantora ajudou seu público a preservar a fé no futuro durante dias difíceis.

O documentário não se restringe aqueles artistas que seguem célebres até hoje. Recorrentemente, a obra apresenta pessoas que faziam grande sucesso na época e mostra como o festival lhes impactou. Dentre eles está o Fifth Dimension, grupo que ocupava a primeira posição no ranking da Billboard. Ao exibir o show deles, o filme acerta ao trazer Billy Davis e Marilyn McCoo para assistirem e comentarem a própria apresentação após cinco décadas.

Também é abordado como o festival soube fazer uma bela mistura de ritmos, ao incluir artistas latinos, africanos e da música gospel. Outro ponto forte é a excelente contextualização histórica, nos situando no momento político dos Estados Unidos, nas circunstâncias da vida no Harlem e na revolução que a comunidade negra vivia, não somente na moda e nos penteados, mas principalmente na luta por seus direitos civis, tendo a música como uma força para conscientizar e impulsionar a mudança.

Apesar de todos esses acertos, o filme não consegue ser interessante em todos os momentos, pois alguns trechos acabam sendo repetitivos, o que torna a obra um pouco cansativa em sua metade. Dito isso, “Summer of Soul (…ou, Quando A Revolução Não Pode Ser Televisionada)” é um documentário que será lembrado não apenas por resgatar as imagens de um festival, mas por honrar uma geração que não merecia ter sua história apagada.