ATENÇÃO: Esse texto contém informações do enredo das três primeiras temporadas.
Quando um avião com 86 crianças deixou Gilead e pousou no Canadá, tudo se tornaria ainda mais difícil para June Osborn (Elisabeth Moss). Considerada uma heroína do outro lado da fronteira, ela se tornou a inimiga número um do regime teocrático. Resgatada por outras aias, ainda muito fraca após ter sido baleada, seus planos se dividem entre seguir atacando e buscar uma maneira de escapar com a filha Hannah (Jordana Blake).
Baseando-se no livro de Margaret Atwood, “The Handmaid’s Tale” continua melhorando temporada após temporada. De volta com um ano de atraso em virtude da Pandemia de COVID-19, a série expande seus horizontes desde o primeiro capítulo, no qual June e suas companheiras vão parar em uma fazenda. Um primeiro passo numa jornada com dificuldades e satisfações nunca antes experienciadas.
Se alguém achava que era impossível a Elisabeth Moss melhorar ainda mais em sua interpretação, a atriz se mostra pronta para absolutamente tudo. Em um único episódio – o sétimo – ela é capaz de exibir tanto uma June esgotada ao ponto de ter dificuldade para falar, como também alguém que se expressa com uma furiosa sinceridade.
E como muita coisa é dita não através de palavras, mas de atitudes e reações, a atriz mostra uma protagonista cuja postura implacável assusta até a quem lhe conhece muito bem. Os propósitos da personagem se apresentam através de um monólogo memorável, fingimento, resistência, raiva contida, fúria incontrolável e por uma June não esquece da filha nem mesmo quando o mundo está caindo ao seu redor.
Além disso, o papel de Moss nessa temporada se amplia quando ela assume a direção do terceiro episódio, justamente em um momento da série extremamente duro para sua personagem. Se ao atuar a atriz expunha o sofrimento causado por aquela circunstância, sua direção contribui no estabelecimento do clima de isolamento e opressão ao qual June está submetida. Além desse, ela também dirige os capítulos oito e nove, nos quais suas decisões também favorecem as ótimas atuações.
Dessa vez, “The Handmaid’s Tale” enfim exibe uma zona de guerra ativa, a devastada Chicago: uma cidade fantasma durante o dia e terreno para a claridade de conflitos noturnos. Ainda em Gilead, mas em locais um pouco mais calmos, os ambientes internos se apresentam com uma iluminação fraca, favorecida pela luz natural que vem de fora, o que produz belas silhuetas. Já no Canadá, em uma cena num tribunal, a claridade prevalece no recinto. Desde modo, se explicita a tirania sombria de um lado e a luz da liberdade de outro.
Um detalhe interessante e que pode ter passado despercebido por muitos está numa cena onde treze “tias” simulam a Santa Ceia: a Tia Lydia senta-se na cadeira que equivale a de Jesus Cristo no quadro de Leonardo da Vinci. Vivida pela ótima Ann Dowd, ela é uma personagem difícil de entender, pois ao mesmo tempo que parece sentir de alguma forma o peso do que acontece em seu entorno, não possui pudor nenhum em agir como uma tirana.
Ao lado de Elisabeth Moss, Ann Dowd possui cenas onde os diálogos das personagens têm um fortíssimo jogo mental, no qual uma busca fragilizar a outra lhe atribuindo culpa. E quando a Tia Lydia prevalece em sua dissimulada forma de impor as leis de Gilead, a atriz consegue lhe fazer sentir ódio e rancor da personagem.
Nesse ótimo elenco, principalmente dentre as atrizes, destaco ainda duas delas. Novamente interpretando a queridíssima Janine, Madeline Brewer se saí bem em uma temporada onde sua personagem cresce, possuí flashbacks de sua vida pré-Gilead e interage com a June de forma um pouco mais incisiva. Já a novata Mckenna Grace interpreta a Esther Keyes, uma adolescente de personalidade forte e imatura, mas que possuí uma história que choca a protagonista.
Forte ao trazer excelentes diálogos, reviravoltas e reflexões, a trama se desenvolve de forma envolvente, mas também apresenta conveniências. Geram estranhamento a meteórica ascensão hierárquica de Nick Blaine (Max Minghella) e a incoerente influência de Joseph Lawrence (Bradley Whitford), depois de tudo que ocorreu na casa dele. Além disso, no intuito de dar uma função a personagem Moira Strand (Samira Wiley), a série se exime de mostrar como o acompanhamento de psicólogos ajudaria mulheres que conseguiram escapar de Gilead.
Na maior parte do tempo, a edição contribui com a narrativa ao alternar entre os fatos em Gilead e no Canadá, ou ainda através de flashbacks. Entretanto, no terceiro episódio, a exibição da trama do casal Waterford teria sido útil para quebrar o peso da situação vivida por June. Já a trilha sonora é impecável, a começar pela primeira cena ao som de “I Say a Little Prayer” de Aretha Franklin.
Pensando no que está por vir, muita coisa ainda está em aberto, seja no conflito contra Gilead, na vida das aias e principalmente no futuro incerto da June. Apesar disso, “The Handmaid’s Tale” dá sinais de que a já confirmada 5ª temporada pode ser suficiente para encerrar a trama, pois a história já avançou bastante e esticá-la pode gerar um enfraquecimento desnecessário.
Dentre todas as temporadas, essa é a que possui os pés mais firmes no mundo atual. Expõe sem medo as incoerências de grupos que se autodenominam cristãos, explicita como a opressão contra as mulheres não pertence só a Gilead, além de questionar se sentir raiva não é uma parte importante do processo de cura. Por esses e muitos outros motivos, a série recompensa quem insistiu em acompanhá-la.