Esse texto contém spoilers.
Em 1862, os Estados Unidos estavam em Guerra Civil. Naquele ano, o Novo México era palco do conflito entre a União e os Confederados. E neste cenário conhecemos o Bom, o Mau e o Feio, que fazem uma descoberta que mudaria o destino de suas vidas: há 200 mil dólares enterrados na cova de um cemitério. Dividir o valor em três partes não parece uma possibilidade aceitável para eles, que ao mesmo tempo dependem um da informação do outro para encontrar a fortuna.
Não há dúvidas de que “Três Homens em Conflito” fecha com chave de diamante aquela que ficou conhecida como a Trilogia dos Dólares, onde acompanhamos o caçador de recompensas interpretado por Clint Eastwood. Apelidado de Loirinho nesse filme, ele é o Bom, no trio formado pelo mau “Olhos de Anjo” (Lee Van Cleef) e o feio Tuco (Eli Wallach).
Clint faz seu personagem demonstrar um domínio das situações mesmo quando tudo parece perdido para ele. Seja com uma corda no pescoço ou desidratado no deserto, seu olhar transmite segurança. Lee Van Cleef faz um vilão de expressão tranquila e desafiadora ao mesmo tempo, sendo capaz de entrar na sua casa, parar na porta, comer sua comida, te matar, levar seu dinheiro e agir como não se fosse nada demais. Já Eli Wallach encarna um vingativo espertalhão que, ao contrário da firmeza dos outros dois, está sempre improvisando para se virar do jeito que dá.
O elenco não é o único ponto forte do longa de Sergio Leone. Há uma melhora significativa na qualidade dos cenários em comparação aos filmes anteriores. Eles parecem de fato com lugares realmente habitados, além de variarem entre pequenos vilarejos, casas isoladas, ambientes destruídos, deserto, prisão, campo de batalha e cemitério.
Sobre o contexto histórico no qual a trama se passa é importante ser dito: a saga dos três em busca do dinheiro seria interessante por si só, independente do que acontece ao redor. Entretanto a história ganha muito com a guerra, porque ela impõe obstáculos e riscos a jornada, o que fortalece a percepção do desejo pelo tesouro. É um dos aspectos que faz esse filme longo e antigo manter-se imersivo e atraente tantas décadas depois.
Outro ponto que fortalece a manutenção do nosso interesse é que os três não começam o filme perseguindo o tesouro. Ou seja: a história não se restringe apenas a isso. Olhos de Anjo estava buscando um homem chamado Jackson e ao tentar descobrir seu paradeiro fica sabendo da fortuna. Loirinho e Tuco, por sua vez, começam como aliados nas encenações para obter uma mesma recompensa por diversas vezes. Quando a parceria termina acompanhamos uma divertida sede de vingança do Tuco. Até que do nada, no meio do deserto, uma diligência sem comando surge com Jackson ferido e a história do dinheiro chega ao conhecimento deles.
O Bom e o Feio só se encontram com o Mau no meio do filme. E quando isso acontece, nós já os conhecemos o suficiente para saber o que esperar de cada um até que cheguem ao cemitério. Quando finalmente estão lá, eles protagonizam juntos um ótimo impasse mexicano, um duelo com três participantes no qual aquele que atira primeiro fica em desvantagem por tornar-se alvo de quem não estava em sua mira.
A cena é composta pela combinação perfeita de um cenário bem construído (e que está preservado até hoje), pela alternância de planos – do geral até o detalhe que foca nos olhos e nas armas – e por uma edição com cortes mais acelerados para fortalecer o suspense sobre quem atira primeiro. Além, claro, de uma trilha sonora que acrescenta um ar épico aos três se posicionando, pausa junto com eles e logo em seguida retorna incluindo mais tensão nas imagens dos olhares preocupados.
O compositor e maestro Ennio Morricone é como um quarto protagonista nesse filme, cujo fantástico tema principal é simplesmente a música mais associada ao gênero faroeste. Mas há muito mais: quando o Tuco está correndo a procura da cova com o dinheiro ouvimos a maravilhosa “Ecstasy Of Gold” e por fim “The Trio”, na cena de impasse mexicano mencionada anteriormente. Além dessas mais conhecidas, a todo tempo somos presenteados com uma trilha perfeita que permeia grandes cenas relacionadas a guerra.
A aparição da diligência com soldados mortos é ao som da imponente música “Carriage of the Spirits”. A chegada de Loirinho a estrutura que recebia soldados feridos é ao som da triste e afetuosa “La Missione San Antonio”. Na detenção militar ouvimos os prisioneiros de guerra tocando “The Story Of A Soldier”, enquanto Olhos de Anjo aproveita o som para torturar Tuco sem ser ouvido por seu superior hierárquico.
A trilha sonora também marca os momentos finais daquele capitão da União que sugere a destruição da ponte. Se antes, sem nenhum som ao fundo, ouvimos ele dizer “pode me manter vivo mais um pouco, doutor? Estou esperando boas notícias”, logo após a explosão, ao som da tocante “The Strong”, ele se despede com a sensação do dever cumprido. Depois que o Bom e o Feio atravessam o rio temos a também comovente música “The Death Of A Soldier”, quando o Pistoleiro Sem Nome conforta um soldado confederado em seus últimos momentos de vida.
Por fim, uma pergunta fica no ar: por que o Loirinho não matou o Tuco e ficou com todo o dinheiro? A resposta mais óbvia é que não pegaria bem ele ser chamado de “Bom” matando alguém no final. Dá para entender também que ele nunca teve essa intenção, nem mesmo quando abandonou o Feio no deserto. A recusa ao assassinato pode ser vista ainda como uma nobre resposta de alguém que coloca a corda no pescoço do adversário, provando que poderia matá-lo, mas demonstra ser superior àquele que certamente mataria o inimigo em seu lugar.
Há ainda uma última percepção que compartilho aqui: o Loirinho estava certo de que sua rapidez no gatilho lhe garantiria a vida caso Tuco ousasse ir novamente atrás dele em busca da outra metade da fortuna. E consciente disso, em sua última cena Trilogia dos Dólares, depois das tantas mortes que causou ao longo de suas jornadas, ainda que os falecidos fossem vilões, e após ver tantos morrerem naquela guerra ao seu redor, o Pistoleiro Sem Nome entendeu que não valia a pena tirar mais uma vida do mundo.