O maior jogador da liga de futebol americano, um ativista que move multidões, o campeão mundial de boxe e um grande cantor se reúnem. Ao contrário do que possa parecer, o assunto da conversa não são as conquistas deles. Juntos, Jim Brown (Aldis Hodge), Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), Cassius Clay (Eli Goree) e Sam Cooke (Leslie Odom Jr.) discutem sobre o papel que cada um pode ocupar na luta contra o racismo.
Nocautear Sonny Liston não foi a única conquista do boxeador na noite de 25 de fevereiro de 1965. Um feito maior foi ele reunir esses notáveis homens negros de pensamentos divergentes, apesar de experiências pessoais parecidas. O que foi discutido entre eles nunca foi revelado, mas ao escrever “Uma Noite em Miami” — primeiro para o teatro e depois para o cinema — Kemp Powers especula sobre como essa conversa deve ter sido.
Ao apontar o papel deles na luta contra a discriminação racial como foco da discussão, a obra dirigida por Regina King absorve o peso que esse assunto possui. Um por um, o filme apresenta quem são os quatro personagens principais e as dificuldades enfrentadas em suas vidas. Porém, ao fazer assim, a história é iniciada de uma forma que atrasa o encontro e as discussões entre eles.
Se era necessário introduzi-los para quem eventualmente não conhecesse algum deles, uma breve apresentação de cada um poderia ser feita ainda nos créditos iniciais. Experiências marcantes como a ida de Jim Brown a casa do vizinho e o show de Sam Cooke na boate Copacabana, em Nova York, poderiam ser mostradas em flashbacks ao longo da narrativa. Deste modo, o roteiro e a edição conquistariam o interesse dos espectadores mais rapidamente, o peso dado as vivências seria ainda maior e a história não ficaria tão presa ao quarto de hotel.
Um sintoma dessa demora em reuni-los é que a primeira discussão acalorada só ocorre após uma hora de filme, justamente entre Malcolm X e Sam Cooke. Enquanto o ativista é mundialmente conhecido por sua postura crítica aos brancos, o cantor se apresentava em locais frequentados por quem subjugava a população negra. Os dois protagonizam uma grande cena, na qual o militante utiliza a música “Blowin’ In The Wind”, de Bob Dylan, para questionar as composições do músico.
Em um elenco que se destaca principalmente pela semelhança física com os personagens retratados, nós também encontramos boas atuações. Kingsley Ben-Adir acerta no tom da retórica de Malcolm X, cuja postura persuasiva soava natural, ainda que ele buscasse convencer seus interlocutores. Aldis Hodge demonstra um Jim Brown tranquilo, em uma fase da vida onde estava prestes a deixar os campos para ocupar as telas do cinema. O melhor de sua atuação está na reação da cena com o vizinho, onde ele diz tudo sem falar nada.
Além de transmitir muita autenticidade nas cenas de luta, Eli Goree faz o Cassius Clay de postura provocadora diante da mídia e do público, mas que a portas fechadas é quase sempre descontraído. Por fim, Leslie Odom Jr. é brilhante ao interpretar aquele que talvez seja o mais interessante dos personagens, o Sam Cook. Ao mesmo tempo que expressa o ressentimento pelo que não deu certo, seu olhar também traz a esperança de dias melhores. O artista ainda canta brilhantemente em uma sequência no final do filme, além de lançar nos créditos a ótima canção “Speak Now”.
Ainda que a trama demore a engrenar, ela recompensa sua espera ao apresentar perspectivas diferentes que passam a se complementar. É muito prazeroso ver a interação e as reflexões dessas figuras históricas. E quando termina esse diálogo sobre o que cada um pode fazer com sua voz, resta ao espectador olhar para o lado, ver o que precisa mudar e expressar aquilo que acredita.