A infância de Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) e Yelena Belova (Florence Pugh) durou pouco. Numa noite onde elas esperavam apenas um jantar feliz, as irmãs foram levadas até um destino onde não haveria família, amigos ou brincadeiras. Elas seriam Viúvas Negras, espiãs treinadas desde cedo para lutar em prol dos interesses da Rússia. Após décadas sem o contato com a irmã mais nova, a Vingadora lhe reencontra, mas ainda não sabe se pode confiar nela.
Onze anos depois da primeira aparição da personagem no Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), em “Homem de Ferro 2” (2010), a Viúva Negra enfim possui um filme próprio. A trama se situa majoritariamente após os acontecimentos de “Capitão América: Guerra Civil” (2016), quando ela se torna fugitiva. O longa-metragem é dirigido pela australiana Cate Shortland. Já o roteiro de Eric Pearson teve como base a história desenvolvida por Jac Schaeffer e Ned Benson.
Além das razões comerciais, duas motivações levaram a realização do filme. A primeira é a demanda do público, especialmente após os acontecimentos de “Vingadores: Ultimato” (2019). A outra é a necessidade de inserir a Yelena Belova no MCU. Mas a verdade é que esse filme chega muito atrasado. Além do estranhamento de vermos a origem de uma heroína já tão conhecida, acompanhar seus esforços agora parece algo quase despropositado.
Uma vez que a primeira aparição da Viúva Negra nos quadrinhos foi em 1964, era necessário adaptar seu começo de vida a dias mais recentes. Assim, para que a Natasha seja uma jovem adulta nos dias atuais, a trama de sua infância se passa em 1995. Só que a motivação de sua ida a Rússia foi mantida num contexto de espionagem típico da Guerra Fria, mesmo com esse período de tensão já tendo sido encerrado naquele momento.
Ainda que o começo possua essa incoerência, ele é prazeroso de se assistir e estabelece um vínculo forte entre as irmãs. Isso contrasta com o que vem minutos depois, quando elas travam uma boa luta em um apartamento. Isto porque a Viúva Negra temia que a Yelena ainda estivesse com um controle mental implantado pela KGB. Inclusive, tudo que envolve esse domínio neurológico é bem interessante, desde sua criação até o conceito visual da forma como ele é quebrado.
Uma das melhores atrizes de sua geração, Scarlett Johansson despede-se bem da personagem mais importante de sua carreira. Além daquilo que sempre foi exigido dela ao interpretar a Viúva Negra, o filme lhe requer uma participação mais intimista. Se antes as reações importantes estavam em momentos de ação, agora que o passado está diante da Natasha, também nos interessa muito ver seu comportamento em diálogos.
Vinda de obras como “Adoráveis Mulheres” (2019) e “Midsommar: O Mal Não Espera a Noite” (2019), Florence Pugh estreia em filmes de ação com um ótimo desempenho. Ainda que muito habilidosa nas cenas de luta, a característica que mais marca sua atuação é a boa postura de durona ressentida, o que contribui na percepção sobre a mágoa que ficou por tudo que ocorreu na vida da Yelena.
Outros dois atores completam o elenco principal. David Harbour interpreta o Alexei, espião russo que criou as garotas até elas serem entregues a KGB. Inicialmente detestável por sua atitude, o personagem torna-se um alívio cômico e o ator se saí bem nesses dois momentos. Dando vida a Melina, mãe das irmãs, a consagrada Rachel Weisz não é muito exigida pelo roteiro, de modo que sua atuação se restringe a mudança de mãe calorosa para a frieza posterior.
Apesar de passar por vários países e exceto pela sequência na Noruega, a obra não aproveita suficientemente o visual das locações. Ao invés disso, o roteiro prefere situar a Sala Vermelha em um lugar surreal. Além de reduzir a crença do espectador na história, essa decisão faz o terceiro ato parecer-se com tantos outros finais dos filmes da Marvel.
Quanto ao principal antagonista, inicialmente ele parece interessante. A premissa das meninas raptadas para servirem a uma superpotência é boa, pois na vida real existem líderes políticos que subjugam a vida de terceiros em prol de seus interesses. Todavia, ele não demora a aparentar certa megalomania, o que lhe torna caricato, pois na realidade quem é ruim faz o mal na primeira oportunidade que possui.
No cinema, mais poderosos que lutas bem coreografadas, explosões incríveis e super vilões são os diálogos bem escritos. Juntas, Natasha e Yelena propiciam momentos onde os problemas parecem sumir, pois nada mais importava do que o vínculo das duas. E isso faz o filme valer a pena, ainda que ele tenha chegado atrasado.